sexta-feira, janeiro 7

AI PORTUGAL, PORTUGAL !



«Aproxima-te um pouco de nós, e vê.
O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há principio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Toda a vida espiritual, intelectual, parada. O tédio invadiu todas as almas. A mocidade arrasta-se envelhecida das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce...
(...)O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.(...)
No entanto a intriga política alastra-se. O país vive numa sonolência enfastiada. Apenas a devoção insciente perturba o silêncio da opinião com padre-nossos maquinais.»


In. «As Farpas» de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, Ed. coordenada por Maria Filomena Mónica, Ed. Principia , Julho de 2004


Este slide com fundo negro não é um retrato actual do nosso país. Como se sabe este rabo da Europa, com vocação marítima, já galgou um longo caminho aportando no actual Estado de Direito Democrático e Social! Aquele traço negro, que cinzela os contornos de um film-noir do nosso Portugal, escorreu da pena de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão. Remonta assim a 1871 e, de relance, esta farpa é apenas um sinal do velho Portugal, o tal da extemporânea Carta Constitucional, da reverência Monárquica e da tirania das consciências Católicas. Logo, qualquer semelhança com o Portugal moderno do Sec. XXI, com uma Constituição progressista a caminho da dissolução da soberania na União Europeia, um país com plena separação do Estado e das liturgias eleiçoeiras próprias do curso básico de seminarista mas, useiras e vezeiras na práxis dos nossos Estadistas, uma nação e um povo nivelado socialmente é, claro está, pura coincidência.

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