segunda-feira, fevereiro 28
«UM POETA MODERNO»
A 25 de Fevereiro de 1855 nasceu José Joaquim Cesário Verde. Poeta Moderno e de breves anos já que se extinguiu tuberculoso aos 31 anos. Volvidos 150 anos sobre a data do seu nascimento fica-nos, desde logo, a paradoxal circunstância de um dos maiores e mais originais poetas do seu tempo nunca ter publicado um livro que fosse... apenas tinha deixado uns folhetins de versos em obscuras revistas e, também, pela imprensa Nacional com destaque para o Diário de Notícias. Este Jornal, à data da morte do poeta em 19 de Julho de 1886,lavra o respectivo necrológio num tom que passa do «malogrado poeta e comerciante» para o queixume funéreo de que Cesário Verde «deixara-se desde algum tempo de cultivar as musas e entregara-se à vida comercial». Como diria o próprio defunto: «Literariamente parece que Cesário Verde não existe».
Na verdade Cesário Verde é apenas poeta em part-time, já que para assegurar a existência é comerciante de profissão, impelido desde cedo a aceitar que primeiro importa ganhar a vida e só depois se deve buscar o recreio do espírito.
Nessa esquizofrenia existencial naturalmente que, por um lado, entre os literatos não se sente entre iguais e, por outro, no meio comercial vê-se desenquadrado e isolado. O resultado é a misantropia e a solidão que perpassa nos seus poemas.
Mas, Cesário Verde, ficará para a história das nossas Letras como um Poeta Moderno, cuja obra prima é indubitavelmente «Sentimento de um Ocidental». Tão moderno que, nas palavras de Maria Ema Tarracha Ferreira, as suas «varinas reaparecem nos murais de Almada Negreiros e inspiram a arte neo-realista, embora, pelo contrário, os surrealistas admirem nele o poeta da visão interior e transfiguradora, aquele que primeiramente recriou o real».
Cesário Verde é, efectivamente, o poeta que vive literariamente a revolução industrial e a reforma da expansão capitalista introduzida por Fontes Pereira de Melo. No «spleen» do Chiado e do Café Martinho temos também um Cesário Verde que busca e anseia por evadir-se de Lisboa e diluir-se num Portugal rural e genuíno. Mas, o traço de modernidade de Cesário Verde está numa personalidade que sistematizou em forma de verso um sentimento de mal de vivre, que bem expresso ficou neste desabafo: «Não me sinto bem em parte nenhuma e ando cheio de ansiedades de coisa que não posso nem sei realizar.»
Sem soturnidades ocidentais, após 150 anos do seu nascimento, prefiro evocar um Cesário, mais Verde e campestre, com esta primaveril «Tarde»:
«Naquele pic-nic de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!»
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