segunda-feira, fevereiro 14

QUADRATURA DO CÍRCULO

Este fim-de-semana falhei as conferências sobre a Revisão do Sistema Eleitoral nos Açores. Pelas melhores razões, aliás. A minha filha mais nova passa comigo todos os fins-de-semana e não ousei confrontar a Maria da Luz (que tem quatro anos e adora bonecos animados) com o Professor Jorge de Miranda que, não sei se já repararam, está quase sempre a rir. É que a miúda, de repente, ainda lhe saltava para o colo. Desculpem a heresia, mas o eminente constitucionalista sempre me fez lembrar a capa da revista MAD.

Dito isto, que é dito com simpatia, inteirei-me do que por lá se tinha tratado na edição de Domingo do Açoriano Oriental. As propostas de Jorge de Miranda no sentido de colocar um ponto final na promiscuidade dos cargos políticos certamente colhem o aplauso geral de todos aqueles que não serão ameaçados por esse princípio e, quanto ao resto, penso que o projecto das duas Câmaras defendido pelo Carlos Amaral deveria, se o mundo fosse perfeito, ser compatível com a dieta de emagrecimento preconizada, e bem, pelo Pedro Gomes.

Depois da leitura da imprensa, ao folhear os blogues, dou com uma posta no Resistir cujo simples título (República Federal dos Açores) também é um outro princípio estimulante de discussão para o debate agora em curso. Lembrei-me logo da Corografia Açórica, escrita pelo jorgense João Soares de Albergaria e Sousa em 1822 e de como aí expressava então o seu wishful thinking a respeito do sistema político-administrativo açoriano:

Se esta autoridade (a do Capitão-General dos Açores enquanto delegado do poder régio) se conferisse a um Senado composto de Cidadãos de todas as ilhas, ele (Marquês de Pombal, em 1766) teria feito a felicidade geral dos seus habitantes.

Bem vistas as coisas, parte da utopia política de João Soares de Albergaria e Sousa acabou por se realizar. Mais de dois séculos passados, os Açores têm o seu Parlamento onde tomam assento cidadãos de todas as ilhas. Discute-se agora a forma mais acertada do princípio da representação política e territorial nessa mesma Assembleia. A proposta de Carlos Amaral, inspirada na arquitectura política americana, radica (segundo me parece) no modelo da "República Federal dos Açores", criando uma Câmara alta onde todas as ilhas estão representadas por igual número de Senadores e outra Câmara Baixa onde as mesmas entram com um número de deputados proporcional à sua dimensão demográfica. Compreendo a bondade do princípio e saúdo a introdução da matriz americana no debate político açoriano (que já estava, aliás, subliminarmente presente no texto da Corografia Açórica), mas receio que esta proposta determine a indesejável multiplicação de agentes políticos num sistema já de si pesado e, dessa forma, colida frontalmente com a diminuição do número de deputados defendida por Pedro Gomes que, se bem entendi, vai no sentido de estreitar a responsabilização política do eleito perante o eleitor.

Se os avanços da Engenharia genética conseguissem enxertar estes dois princípios, sem deixar de fora os preceitos éticos recomendados por Jorge Miranda e a dignidade senatorial da diáspora açoriana reclamada por Carlos Amaral, arriscávamo-nos a ter descoberto a quadratura do círculo.

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