Boldroegas
Aproveitando a bonança do blogue ao fim de semana, aqui vai mais uma receita. Para variar, é salgada. Conforme poderão ver trata-se de um prato simpático, acessível e amigo dos dentes cariados. Estou a falar de almôndegas de carne, muito embora a fonte original do petisco as chame de boldroegas. Não confundir com beldroegas (Portulaca oleracea L.), que fazem um óptimo caldo mas não são para aqui chamadas. Desculpem lá o preciosismo. É escusado procurar boldroegas no Dicionário da Academia, ou mesmo no venerável Elucidário de Frei Santa Rosa Viterbo. Não existe, pura e simplesmente. É uma palavra eliminada pela voragem dos tempos. Valha-nos, contudo, o Prof. Giacinto Manupella que, nas suas doutas e eruditas notas ao Livro de Cozinha da Infanta D. Maria, explica de forma convincente serem as boldroegas aquilo que os nossos avoengos tardo-medievos designavam de almôndegas. A este respeito estamos falados. Passemos ao livro das receitas, cujo original - um códice português de finais do século XV - se encontra depositado na Biblioteca Nacional Vittorio Emanuele III de Nápoles.
Como é que ele lá foi parar? De barco e de carruagem, suponho eu. Em todo o caso, fazia parte do enxoval que acompanhava a Infanta D. Maria de Portugal (1538-1577) quando esta casou com Alexandre Farnésio, 3º Duque de Parma, em Bruxelas no ano da graça de 1565. Felizmente para ela, a comissão do marido como Governador de Antuérpia não demorou muito tempo e D. Maria acabou por passar o resto da sua vida em paragens mais mediterrânicas. Daí que este livro, um dos mais antigos tratados de gastronomia portuguesa conhecidos, esteja hoje em Nápoles para grande inveja minha, que também gostava de lá estar. O sole mio!
Esta é a receita das boldroegas
Tomarão a carne de porco ou de carneiro muito gordo, que não leve ossos, e picá-la-ão muito miúda, e terão acolá a farinha peneirada por uma peneira de seda, e terão dez ou doze gemas de ovos duras; e então meterão em cada pelouro tamanho como pela de jogar de carne picada e uma gema de ovo, e então, enfarinhado aquele pelouro na farinha, então deitá-los-ão dentro numa panela de manteiga que esteja fervendo sobre as brasas, ou também caldo de carneiro muito gordo misturado com manteiga, e deitar-lhe-ão uns poucos de cheiros, atados inteiros, dentro. E então abafarão esta panela com um testo em riba e hão-de dar uma volta à panela, de maneira que não quebrem as pelas, e hão-nas de deitar com aquele caldo basto num prato de maneira que não se quebrem, e hão-de ter gosto destes adubos, isto é, cravo açafrão, pimenta e gengibre. Se o caldo é pouco cevam-no com o caldo das outras panelas.
Livro de Cozinha da Infanta D. Maria, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, s.d. (1986), Col. Biblioteca de Autores Portugueses.
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