segunda-feira, fevereiro 28
Os Óscars
Era o ano de 1992. Nessa altura, em vias de terminar o liceu, punha-se a premente questão de decidir o que eu queria fazer para o resto da minha vida. O meu primeiro desejo foram as ondas, mas a falta de credibilidade social que o ofício de surfista tinha e ainda tem aliada à pressão familiar e conjugado, admito, com alguma falta de talento natural meu para a alta competição surfística tornaram impossível tal carreira. Assim, e não perdido o espírito rebelde próprio dos 18 anos eis que me aventuro a uma candidatura ao curso de cinema do conservatório de Lisboa. O cinema era, nesse tempo, para mim, a segunda maior paixão. Uma paixão que tinha vindo a fomentar já desde alguns anos. Os objectos dessa paixão eram as salas de cinema e o seu silêncio escuro e reverencial. Salas para mim tão marcantes como o velhinho cinema Alvalade, o Caleidoscópio, os inevitáveis King e Quarteto, a sala da Barata Salgueiro onde cheguei a ser o Amigo 147. Essas sessões na Cinemateca foram profundamente formadoras. No décimo ano chumbei a português (foi provavelmente aí o inicio da minha irresponsabilidade ortográfica...) e como era a única cadeira a que chumbei se me candidata-se a exame no décimo primeiro permitia-me passar de ano, o que fiz, e o que me possibilitou fazer o décimo primeiro ano com furos de duas horas duas vezes por semana uma vez que o português era a cadeira principal na minha área de letras. Essas horas foram passadas na sessão das seis da tarde na Cinemateca e em intermináveis viagens sem destino de eléctrico pelas ruas de Lisboa. Cinema. Outros objectos dessa paixão eram a televisão e as centenas de cassetes VHS que ainda hoje vivem em prateleiras de uma estante no meu antigo quarto de Lisboa, os Vídeo Clubes, um extraordinário serviço que era do Lauro António onde se telefonava e entregavam os filmes em casa, as revistas, o Cahiers onde combati a esforço o meu ódio à língua francesa e, sim, as infindáveis noites perdidas a ver a entrega dos Oscars pela televisão. Nesse tempo os filmes nomeados ainda iriam demorar uns meses a chegar a Portugal. Nesse tempo eu sabia de cor os nomeados para o Oscar de melhor fotografia, melhores efeitos especiais e tinha inclusive um preferido para o Óscar de melhor guarda-roupa. Nesse tempo em que o cinema ainda tinha ilusão eram frequentes as desilusões com as escolhas da Academia, o desgosto com escolhas diferentes das minhas. Hoje, depois de ter falhado por quatro lugares a entrada no curso de cinema, depois de ter vindo viver para Ponta Delgada onde não existem nem salas nem espectadores de cinema, hoje o meu amor pelos filmes é vivido em DVD no sossego da minha casa e os Oscars são uma bem passada noite de sono. É assim a vida.
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