domingo, fevereiro 27

O HOMEM da VELA

PETER BENENSON (1921-2005)

Foi com 33 anos, a idade de Cristo quando morreu, que Peter Benenson leu nas páginas do jornal uma notícia sobre a prisão de dois estudantes portugueses que, imagine-se o topete, tinham brindado à liberdade num bar de Lisboa. Estávamos em 1961, no início do crepúsculo do salazarismo, quando rebentava a guerra em Angola e se iniciava uma década marcada pelas lutas académicas de oposição ao regime. Nessa época os portugueses pagavam caro o delito de opinião e os estudantes blasfemos foram condenados a 7 anos de prisão.
Benenson, embora educado em Eton, não descurava a leitura dos filósofos franceses e uma frase de Voltaire (não concordo nada com as vossas ideias, mas estou disposto a morrer para que as possam expressar) viria a configurar a sua futura cruzada em prol dos direitos humanos. Todos os dias eles eram, e são, atropelados no mundo inteiro, mas aquela notícia, tão singela quanto aberrante, sobre a criminalização de um delito de consciência cometido pelos estudantes, foi a mola que fez Peter Benenson levantar-se da cadeira.
Dias depois, a edição de Domingo do Observer de 28 de Maio de 1961 publicava um extenso artigo da sua autoria, intitulado The Forgotten Prisoners, em que denunciava esse e outros casos de intolerável violação dos direitos humanos que, embora já consagrados numa Carta das Nações Unidas, eram pouco mais do que letra morta. A reacção da opinião pública inglesa foi surpreendente, ou talvez não, e milhares de pessoas escreveram cartas ao Editor a manifestarem a sua disponibilidade para ajudar. As instituições políticas e diplomáticas portuguesas foram bombardeadas com uma corrente epistolar de protesto que levou o regime a recuar na sentença. Graças ao bafio do Doutor Oliveira Salazar tinha nascido a Amnistia Internacional. Na pessoa de Peter Benenson, a Academia Sueca distinguiu-a com o Prémio Nobel da Paz em 1977. Ontem o distinto laureado morreu em Inglaterra. Segundo parece, aquilo que lhe inspirou o símbolo da Amnistia Internacional (uma vela envolvida por arame farpado), foi um provérbio chinês que diz o seguinte: antes acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão.
Não sei se os tais estudantes ainda estarão vivos. Espero que sim, por todas as razões e mais esta: porque decerto já acenderam a vela que Portugal deve à memória de Peter Benenson, um homem bom e decente.

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