A semana passada fui a Lisboa em serviço, uma formação da chácha. "Como liderar um projecto". Segundo o psicólogo de serviço, e resumindo, a solução mais fácil para se concluir um projecto é deixar os outros pensarem que as ideias são deles, carregar com o trabalho todo às costas, e no fim, deixar um dos novatos, com o fato mais parecido com um Armani, e de lenço ao bolso, aclamar que o projecto é dele. É assim que se vai longe, hoje, numa empresa, vestindo fatos do tipo Armani.
Bem. Farto de reuniões e de estar fechado entre quatro paredes todo o santo dia, decidi ir a uma reunião de AA, que descobri através de uma conversa entre duas loiras, enquanto tomava um café na máquina ao fundo do corredor, na empresa de formação. Duas loiras, duas falsas, num canto, uma de cigarro pendurado nas beiças, penduradas numa cara que se agarrava a uma cabeça, pendurada num pescoço, e outra de cigarro na mão, que descansava no braço, cujo cotovelo descansava na anca, tão grande que fazia de mesa de café.
- O João nunca mais deixou de ir àquelas reuniões AA na Igreja das Quintas, sabes? - disse a das beiças.
- Ãh, ãh! - respondeu a mesa de café. - E ele deixou de te bater? - perguntou com um ar de que, quem tem homem, tem um preço a pagar!
- Ele só me bate quando bebe!
Acabei o café e aproximei-me das falsas para deitar fora o copinho de plástico. Aproveitei, e de relance, lancei um olhar às beiças para ver se eram naturais ou um resultado de acumuladas taponas. Não cheguei a uma conclusão, excepto que, neste caso tanto me fazia.
Antes de voltar a entrar na sala de formação perguntei se podia fazer um rápido telefonema. Apressei-me até à recepção e pedi o nº de telefone da Igreja das Quintas e confirmei a hora da reunião. Dava para sair dali direitinho para a dita cuja.
O resto da tarde seguiu lenta e sonolenta. A certa altura senti-me que nem Charlie Brown a ouvir aquele psicólogo adulto e perguntei-me se Snoopy terá acabado a sua carreira indo a reuniões AA. Nunca vi o Snoopy beber, mas eu também não bebo!
Ao fim do dia de formação, após as entusiasmadas despedidas e últimos conselhos de aplicação do conhecimento adquirido, chamei um táxi, que não partilhei com ninguém, e pedi que me levasse à Igreja das Quintas.
- A de Fonte Belas?
Não fazendo a menor ideia respondi-lhe que era a que tinha às 19H uma reunião AA. O taxista virou a cabeça para trás, acto que não voltaria a repetir toda a viagem, o espelho passou a ser o nosso elo de ligação, e disse - Foda-se! E eu é que sei? Tenho cá cara de um caralho de um bebâdo?
- Sim é a de Fonte Belas. - respondi.
Não trocamos mais nenhuma palavra e sempre que olhei para o espelho ele estava a olhar para mim com um ar de que a minha sorte era não ser preto ou gay, senão levava já ali uma sova.
Não vi para onde me levou, mas quando nos aproximamos percebi logo que seria ali. Uma rua vazia, escura, uma igreja, uma luz e umas almas perdidas que esporadicamente passavam do escuro para dentro da luz.
Não dei gorjeta ao taxista e ele, quando se afastou rapidamente, abriu a janela e gritou - Seu estúpido todos os dias! - Eu não contive uma gargalhada.
Entrei, eu também, na luz e segui uns quantos de corredores, confiante que enquanto houvesse luz estava no caminho certo. Acabei numa salinha com ar de um purgatório minimamente confortável. Estava a falar um rapazola com ar de psicólogo e eu sentei-me ao fundo, ao lado de uma rapariga boazona, de mini-saia e perna cruzada. Tinha um cigarro por acender entre os dedos e eu puxei de um isqueiro e estendi-lhe o braço. Ela sem me olhar, e sem dizer palavra, respondeu-me que não, acenando-me com a mão que aguentava o cigarro.
A reunião decorreu sem que eu prestasse a devida atenção, excepto quando a rapariga trocava o cruzamento das pernas. A certa altura, após um curto silêncio, a mini-saia ao meu lado levantou-se e deu indicação de que iria falar. Falou de coisas e bebedeiras das quais eu já não me lembro, mas a certa altura diz, sem aparente vergonha, que trabalha na indústria porno portuguesa. As minhas orelhas entesaram e puseram-se de imediato em sentido, e ela continuou dizendo que era uma vida difícil, mas que lhe permitia viver uma vida de princesa, só luxo, etc. e tal.
No fim da noite vim a descobrir que ela estava a brincar. Vivia num quarto só, escuro, sujo e com uma cama, a maior parte do dia solitária, a um canto. Deixei-lhe 100 euros e voltei para o hotel, lavei-me e dormi como um santo.
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