terça-feira, junho 29

A ILHA EM FRENTE



Regresso de Santa Maria a bordo da Sata que voando há mais de 157 gaba-se de possuir uma frota de clássicos da Aviação Civil, caso dos raros ATP em serviço nas actuais rotas aéreas, cuja raridade lhes confere o estatuto de «vintages». Desloquei-me à Ilha de Gonçalo Velho em trabalho pelo que pouca mossa fez a diluviana monção que se abateu sobre o Algarve dos Açores durante o fim de semana e parte do dia de hoje. Todavia a intempérie foi de tal ordem que tornou inviável captar o sinal de TV para seguir a bola e, pior ainda, silenciou por completo o prestimoso ritual de assistir ao relato da semana feito pelo Professor Marcelo...

Agora que reorganizo os papéis e as notas do meu portátil, em desalinho com documentação de ordem pessoal e restos dos Jornais que precavidamente viajaram comigo na caruma da Sata, dou conta de um «souvenir» onde leio este encómio em forma de verso :

« Rasga-se de alto a baixo o véu de bruma,
E aparece, ali, na sua frente,
Altiva e sorridente,
A Ilha prometida, a emergir do mar...

Os marinheiros, que acordaram do desanimo,
Resam em coro, altissonante e forte :
SANTA MARIA !!! SANTA MARIA !!!

E assim foi dada ao mundo Terra Açoreana.

( José Luiz de Serpa )

Com saudade fui ao fundo do baú da : Ilhas recuperar esta comezinha prosa de viagem como recordação de melhores e solarengos dias vividos em Santa Maria. Dois pontos abro aspas e aqui vai :

« Largamos ao entardecer e o farol do cais de Vila do Porto não tardou em acenar-nos uma derradeira vez. Ao largo, contrariando o azul fundido no ondulante Atlântico, o crepúsculo solar anunciava o cair da noite. O mar não tardou em erguer-se ocultando a ilha de Santa Maria, que se afastava ao ritmo das ondas batendo no costado do Golfinho Azul. Senti que também se afastavam no horizonte mudo os dias que passara em Santa Maria.

Com este onírico preâmbulo poderia adivinhar-se alguma metafísica de pendor naturalista no que se segue. Para alívio daqueles que tiveram a indulgência de ler o que aqui escrevo, garanto que apenas me motiva retribuir o puro prazer hedonista que Santa Maria me propiciou. Santa Maria possui notáveis efeitos ansiolíticos e, desde que a dose não seja excessiva, não se lhe conhecem efeitos secundários.

Efectivamente na Ilha do Arquipélago onde, eventualmente, os navegadores Portugueses aportaram pela primeira vez no lugar da Praia dos Lobos, dando-lhe o nome da Senhora do dia do seu descobrimento, onde se fixaram os primeiros habitantes e nela edificaram a primeira vila dos Açores, é de presumir que se decifre a simplicidade e a frescura que nos trespassa na utopia de uns Açores imaculados.

Volvidos cinco Séculos do seu descobrimento, é gratificante a infalibilidade de que ainda lá permanecem os vestígios originários do que de melhor têm as nossas Ilhas. Recordando Raul Brandão, ainda « há nas coisas uma hesitação, uma mescla, um abrir, como no princípio do mundo quando a água, a luz e a terra não estavam ainda separadas pela mão de Deus » ( In. As Ilhas Desconhecidas )

Por ser assim é que Santa Maria constitui um destino de evasão para muitos Micaelenses , reclusos a maior parte do ano num excesso de humanidade da qual se sentem impelidos a fugir em época de Férias. Para aqueles que não são do tipo gregário recomenda-se que fujam também da Maré de Agosto e se deliciem com outros prazeres estivais. Aproveitem a esplendorosa naturalidade de deambular pelas magníficas estradas da Ilha de Santa Maria bordejadas de giesta e adornadas de lâminas de luz que se desfazem no Atlântico. Entreguem-se a longas horas de ócio na Praia Formosa ou na Baía de São Lourenço. Adivinhem as aventuras de Cristóvão Colombo perto do lugar dos Anjos e as desventuras infligidas pelos corsários turcos e argelinos. Deslumbrem-se com o anfiteatro da Baía da Maia na panorâmica vertiginosa da falésia do farol de Gonçalo Velho Cabral, ladeado pelas ruínas dos baleeiros Marienses ! Assistam ao entardecer nas cálidas águas de São Lourenço, deixando escorrer pelo corpo pérolas líquidas forjadas na limpidez Atlântica. Retemperem o corpo terminando o dia com um festim de peixe grelhado no Ilhéu , antecedido de uma generosa dose de camarões, regalos estes que se assevera serem tão valiosos como as restantes jóias guardadas em Santa Maria.

No regresso , a bordo do Golfinho Azul, à medida que Santa Maria se afasta envolvendo-se em nostalgia e S.Miguel se aproxima desvendando-se entre a ondulação, recapitulo Raul Brandão, e, « percebo que o que as ilhas têm de mais belo e as completa é a ilha que está em frente ».

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