segunda-feira, junho 14

6 de Junho e outras considerações

Take Final. Porque dois amigos merecem uma carta de resposta.

O TóZé tocou num ponto crucial, a história é de facto feita de pequeninas vontades individuais, a maior parte das vezes vontades mesquinhas, egoístas, rasteiras e comodistas. A História dos homens não é uma história de grandes ideais, ou de grandes causas, ou sequer de filosofias, muito menos de políticas. Na génese do 25 de Abril está o descontentamento dos militares com a guerra colonial, depois veio o ideário democrático. Na génese da instauração da Republica está a pobreza do país à data, depois veio a representatividade da população. Na génese dos descobrimentos está, literalmente, o facto dos barcos estarem na água, depois veio a conquista de um império. E sim, Portugal nasceu de uma pura zanga entre uma mãe e um filho, os mouros foram um pretexto. A história é sempre feita pelas acções dos homens e essas acções são consequência dos instintos, dos ímpetos e das paixões humanas. É pena, mas é um facto que há muito pouca razão na história. O 6 de Junho (e não vou mais discutir este assunto, de que é suposto saber muito pouco, acusei o toque, Sr. Fernando.) não foi uma luta pela propriedade individual legítima ou não, não foi um levantamento popular em prol dos ideais democráticos, liberais, socialistas ou outros. O 6 de Junho, repito, foi uma manifestação de prepotência da parte de uns quantos senhores assustados com uma crise económica junto com outros quantos senhores reaccionários assustados com o perigo de ver o país transformado numa república socialista. Nunca nos Açores esteve a propriedade individual posta em causa, nunca em actos, nunca em projectos. Faça-se justiça a Borges Coutinho. Quanto ao resto é a permanente ignorância e prepotência da direita que não gosta de ver o povo a mandar, nem que seja por votos. Os Açores, como o resto de Portugal, sempre foi uma sociedade conservadora e reaccionária, onde durante centenas de anos poucos mandaram e exploram muitos, esta realidade ainda não foi plenamente derrotada e ainda hoje assistimos a resquícios desta mentalidade, até em sítios insuspeitos e por parte de quem nunca pensaríamos. Mas o facto é que a repartição de riqueza é ainda uma miragem e a justiça social um anseio. A propriedade defende-se com trabalho, com apego, com verdade. A propriedade não é um bem pessoal, a propriedade é o património natural e construído de uma região, de um país, de um continente, de uma sociedade de uma civilização. A propriedade por que vale a pena lutar é o conjunto dos inúmeros aspectos que fazem dos Açores uma região bela e diferente como tantas outras por esse mundo fora, a única propriedade por que quero lutar é pelo futuro da humanidade, começando pela casa onde vivo, passando pela freguesia, pela cidade, pela região, pelo país, pela Europa, pelo mundo, pelo Universo. Propriedade? Pois, eu agora que estou descontente com a enorme crise por que passa o ananás de São Miguel vou enforcar uns quantos frutos no campo de São Francisco! São os próprios protagonistas a assumir este tipo de atitudes, não romantizemos, por favor, o raio do 6 de Junho só porque às tantas havia não sei quantos micaelenses nas ruas a gritar por não sei quantas reivindicações diferentes. A democracia portuguesa, esta que agora temos, que elegeu Carlos César, Jardim e Durão Barroso, é fruto, felizmente, da sagacidade de uns quantos homens bons e da sensatez da generalidade do povo português, o resto são fábulas e histórias.

P.S. Meu queridíssimo Nuno um abraço muito amigo e sou de facto um amante withmaniano da liberdade.

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