terça-feira, junho 1

Poesia açoriana?? Não!!

Um manifesto.

Quando escrevemos aqui nos blogues, a maior parte das vezes, fazemo-lo sem pensar nas consequências. Há uma espécie de embriaguez bloguistica que nos deturpa a razão e faz agir de maneiras totalmente insuspeitas noutro tipo de circunstâncias ou, em última análise, noutro tipo de suporte. Não pretendo criticar esse imediatismo dos blogues, essa emoção do momento que nos leva ao melhor e ao pior de nós, desventuradamente, não, sou até um dos que acredita que é nessa face de erro que reside a razão para a existência, insistência, dos blogues, principalmente porque ao corajosamente publicarmos, aos olhos do mundo, os textos que para aqui fazemos, submetemo-nos ao mais essencial dos atributos do ser humano: o dialogo, o contraditório, a critica, a paixão. Os blogues são os folhetins do século XXI. Ora pois vêm este intróito a propósito do título que o caríssimo TóZé decidiu pôr à sua série de homenagens a poetas cuja característica comum é terem nascido no arquipélago dos Açores - poesia açoriana. Está aqui aberta uma porta para uma polémica. Ora, caro amigo, apetece-me perguntar "o que é isso de poesia açoriana?" Que atributos são esses que definem um poeta açoriano? Que predicados, que qualidades, que condão define um, ou uma, poeta açoriano? Será uma questão de biografia, facilmente resolvida com a geografia própria de uma certidão de nascimento, ou será antes um processo genético, uma linhagem de descendência, que faz passar as suas particularidades reciprocáveis de geração em geração, ou ainda e apenas um atributo de todos e quaisquer poemas que tenham sido escritos nas latitudes e longitudes próximas das das, nossas, ilhas dos Açores? Pergunto eu sem ser directamente a ti, meu amigo António José, mas ao nosso tempo e aos, poucos, que nos lêem. É que para mim isso de poesia açoriana é um pouco como a poesia afro-americana, ou a poesia lésbica-hispano-americana,ou a poesia adolescente-psicotrópica-asiatica, ou a poesia de-homens-de-raça-branca-nascidos-na-década-de-setenta-do-século-passado-que-gostam-de-ondas-e-de-cervejas-e-de-poemas-e-de-mulheres-e-que-cresceram-em-Lisboa-e-vivem-agora-em-São Miguel, uff... isso existe? Existe uma poesia açoriana? Espero muito honestamente que não, porque isso significaria a validação estética de um conceito não balizado pelos parâmetros de uma avaliação literária, ou metafórica, mas de uma avaliação etnográfica, ou antropológica, ou histórica. A poesia, toda a poesia, como toda a literatura, deve apenas ser julgada pelo seu valor simbólico e estético, nunca, mas nunca, por qualquer pormenor geoestratégico.

"Literature is not merely language; it is also the will to figuration, the motive for metaphor that Nietzsche once defined as the desire to be different, the desire to be elsewhere. This partly means to be different from oneself, but primarily, I think, to be different from the metaphors and images of the contingent works that are one's heritage: the desire to write greatly is the desire to be elsewere, in a time and place of one's own, in an originality that must compound with inheritance, with the anxiety of influence."
Harold Bloom, The Western Canon.


Quem quer que opte por esse rótulo de poesia açoriana diminui-se automaticamente ao mais ínfimo patamar da literatura: o patamar do género! O objectivo e a razão da literatura é a busca pelo universal e o transcendente e mesmo quando a literatura busca no particular, minúsculo pormenor, o seu campo de acção ou de trabalho, é sempre com o objectivo de ultrapassar a barreira do geográfico e do imediato, a barreira do espaço e do tempo, buscando sempre a desejada imortalidade. Poesia açoriana? Não obrigado, eu prefiro a Poesia como sei que tu, meu caro TóZé, também preferes.

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