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Na alvorada do dia 26 de Abril de 1986 à 01h23 da manhã a equipa técnica da Central Nuclear de Chernobyl pôs em marcha um fatídico teste de segurança no reactor número quatro. Para além do ponto de retorno e antes que fosse possível impedir a tragédia a reacção nuclear em cadeia entrou em descontrolo culminando numa explosão que lançou para a atmosfera a estrutura do reactor, fumos e cinzas radioactivas sobre uma vasta área da Ucrânia e da Bielorrússia. Volvidas quase duas décadas sobre a tragédia de Chernobyl Elena Filatova faz-nos a visita guiada à área de exclusão total, incluindo a área de 30 Km no perímetro do reactor conhecida por «Dead Zone», que é hoje o cenário pós apocalíptico que se desenvolve no perímetro do desastre.
Elena Filatova é uma jovem Ucraniana, na aparência igual a qualquer outra, mas que no seu site se apresenta como não tendo nada para vender, muito menos a sua Kawasaki Ninja ZX - 11 e a Liberdade absoluta para a levar até onde a Ninja aguentar...nem que seja a zona de exclusão total de Chernobyl. Para Elena Filatova tudo se resume num inexorável aforismo : «Good girls go to heaven. Bad ones go to hell. And girls on fast bikes go anywhere they want.». A nós só nos resta seguirmos como penduras de Elena através da estrada virtual da internet e ainda assim arrepiarmo-nos com a visão do inferno nuclear de Chernobyl.
Como suporte das suas viagens Elena Filatova construiu um notável diário digital em estilo de grande reportagem devidamente ilustrada com fotografia digital que acompanha um texto que se lê com ávida curiosidade. O tour radioactivo de Elena faz-se por estradas bloqueadas à circulação rodoviária mas cujos obstáculos são facilmente transponíveis por uma mota. Na bagagem, além da câmara digital e um kit de mecânica, segue um indispensável contador geiger para medir os níveis de radiação «aceitáveis». Apesar dos riscos, garante a motard Ucraniana que a viagem é segura porque o asfalto não absorve radiação permitindo-lhe assim acelerar sozinha pelos campos radioactivos da zona de exclusão. O cenário supera qualquer ficção pós apocalíptica pois, desde o crepúsculo de 26 de Abril de 1986, cidades, vilas e lugarejos circundantes a Chernobyl permanecem desabitados após uma ordem de evacuação geral. Calcula-se que assim irão permanecer no próximo milénio porquanto até lá o ar, o solo e a água estão contaminados, designadamente com césio 123.
Quantos morreram neste trágico acidente? Ninguém tem a resposta para o macabro número mas a meia centena avançada por um recente relatório das Nações Unidas é uma obscenidade quando comparada com estimativas que oscilam entre 300.000 mil e as 400.000 vítimas. Entre estes conta-se por certo uma percentagem elevada dos mais de 650.000 «liquidadores» que foram recrutados para conter a incandescente besta que ardia no reactor número quatro. À custa da vida de «voluntários» do exército soviético, que ficaram conhecidos como «bio-robots», o reactor número quatro foi sepultado sob um «Sarcófago» de toneladas de betão que presentemente ameaça ruir abrindo brechas para uma sequela da nuvem radioactiva de 1986 ! No interior do «Sarcófago» permanecem instáveis 190 toneladas de uranium e 1 tonelada de plutonium em condições tecnicamente preocupantes não só para a Ucrânia mas para todo o Mundo. Com sarcasmo Elena Filatova aponta o «Sarcófago» de Chernobyl como uma recriação pós moderna das pirâmides pois a sua radioactividade durante os próximos 100.000 anos é garantia suficiente de longevidade só comparável aos mausoléus do Antigo Egipto.
A presciência da horrível realidade de morte nuclear desenrola-se ao longo da foto reportagem da quilometragem que Elena Filatova fez com a sua Kawasaki ao longo das zonas afectadas pelo desastre. Entre elas destaca-se Pripyat, a cidade limítrofe de Chernobyl, que num ápice evacuou num só dia os seus cerca de 50.000 habitantes. Com efeito, Pripyat, uma espécie de Pompeia do Século XX, dista cerca de 4 Km. de Chernobyl e é hoje uma mega cidade fantasma e, por todos os motivos, um dos locais mais radioactivos do mundo. Sobre esta cidade de Pripyat o silêncio é palpável e certamente só a voz de gente da estirpe de Elena Filatova é capaz de quebrar esta tirania do esquecimento. Esse esquecimento é cada vez mais conveniente quando é ponto assente que a energia nuclear é barata, pois 1 Kg de plutonium produz aproximadamente a mesma quantidade de energia que 3 Milhões de Kg. de carvão, o que aliás justifica que Países como a Índia e a China sejam fervorosos adeptos da Energia Nuclear.
Acresce que é também hoje moda apresentar-se o nuclear como energia amiga do ambiente! Na verdade, é indiscutível que a cisão nuclear não concorre para o efeito de estufa pois, em bom rigor, não é sequer poluente. Ao invés, a produção de energia com recurso a combustíveis fósseis é uma «alternativa» que só nos Estados Unidos representa anualmente a emissão de dois mil milhões de toneladas de dióxido de carbono para a atmosfera da Terra! Não causa pois espanto que na última edição da National Geographic se leia que «actualmente, se rasparmos com a unha o revestimento exterior de um engenheiro nuclear, iremos provavelmente descobrir a alma de um ecologista ardente». Mas, para quem não esquece o prenúncio de armageddon ambiental que foi Chernobyl não pode deixar de ficar perplexo com o regresso do Nuclear agora apadrinhado por neo-ambientalistas para quem o slogan «No Nukes» é mero folclore do passado. Será?
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posted by João Nuno Almeida e Sousa.
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