Chegam, então, vindos do continente, os primeiros homens às ilhas atlânticas na década de trinta do século XV. O Portugal quatrocentista é uma nação determinada pela sua geografia. Com fronteiras já plenamente estabelecidas desde 1267, preso entre Castela e o Atlântico, Portugal vai se desenvolver para Oeste, para as águas do imenso mar Atlântico, fazendo assim uso e valia das favoráveis condições geográficas que o caracterizam. A costa atlântica da península é fértil em portos fundos e extensos rios navegáveis, junte-se a isto o facto do Portugal de então, onde cristãos, judeus e muçulmanos se encontravam, ser um verdadeiro lugar de miscigenação e temos a base de um revolucionário projecto de conquista e colonização de longo prazo em que o desbravar de caminhos num imenso desconhecido se tornaria na marca maior da cultura portuguesa na história da humanidade. A aventura marítima portuguesa é mais do que um salto no desconhecido é, isso sim, um desafiar corajoso do medo e da superstição. Desde o inicio do século XIV que surgem referenciadas em mapas ilhas no Atlântico Norte. É certo que os navegadores genoveses, galegos e portugueses observaram em viagens exploratórias fenómenos vulcânicos em pleno mar que assinalavam sem margem para dúvidas a existência de ilhas. Está referenciada com precisão uma erupção de 1322 que terá dado origem à Lagoa das Sete Cidades. A actividade vulcânica desta região do Atlântico é mesmo apontada como explicação para designações como a de "Mar Tenebroso" e outros relatos fantasmagóricos de fim do mundo, inferno e outras adversidades inultrapassáveis. A audácia portuguesa iria, a custo, contrariar esta camada de magia e misticismo ao que acrescia reais revezes do clima e da geografia. A primeira viagem de Gonçalo Velho, Comendador da Ordem de Cristo, a mando do Infante D. Henrique data de 1427 e terá sido feita apenas como tentativa de confirmar a veracidade dos boatos e sugestões de mapas antigos que o Infante não possuía. Descobertas as Formigas e suspeitando-se Santa Maria outras viagens são ordenadas em 1431 e 1432 nas quais ovelhas e carneiros são lançados nas ilhas do grupo oriental e central. Em 1439 o Infante inicia a colonização das ilhas num processo que seria extremamente lento e difícil não só pela falta de mão-de-obra disponível no reino, como, e essencialmente, pela severidade do terreno e pelo assombro da missão. Os primeiros povoadores lutaram não só contra as contrariedades da geografia das ilhas, ausentes de bons portos de ancoradouro, plenas de escarpas e declives abruptos, fenómenos vulcânicos, sismicidade, clima adverso, mas também contra um enorme manto de misticismo que cobria esta parte do oceano, um enorme nevoeiro de incerteza. É principalmente por isto que a colonização das ilhas é feita lentamente e por gentes de várias proveniências, não só de várias partes do Portugal continental, Alentejo e Algarve predominantemente, mas também do Minho e da Beira, bem como da Flandres e de Castela, ao que se juntaram escravos e degredados. São escassos os dados concretos sobre a história e a sequência do povoamento das ilhas, mas sabe-se da doação a Gonçalo Velho de Santa Maria, da colonização de São Miguel por criados do Infante e fidalgos madeirenses no lugar da Povoação, do recurso a flamengos, fruto das boas relações, à época, de Portugal com a Flandres, dos quais se destacam Jacome de Bruges que se fixou na ilha Terceira, Jost von Verter (Jost de Utre, Josse Dutra) e Willem van der Hagen (Guilherme da Silveira) no Faial, Pico e São Jorge e que as ilhas das Flores e Corvo só seriam povoadas nos primeiros anos de 1500, principalmente por terceirenses e madeirenses. Este é, portanto, o cenário da descoberta e colonização das ilhas dos Açores que Artur Teodoro de Matos resume da seguinte maneira: "É (...) desta ascendência portuguesa, misturada com outros europeus, degredados, escravos, mouros e negros, de gente de vários níveis sociais, que se formará a sociedade açoriana, onde a insularidade e os caracteres mesológicos serão factores importantes para a determinação da sua cultura."
Nota: bom, antes ir à cultura, quero ainda fazer um post com o seguir da história das ilhas até aos nossos dias, uma perspectiva política e económica. Quanto à colonização aqui ficam alguns dados bibliográficos. Os já citados Atlas Básico dos Açores, São Miguel - a ilha verde Estudo Geográfico de Raquel Soeiro de Brito e, começando nos mais generalistas, Os Descobridores de Daniel J. Boorstin, História de Portugal, uma perspectiva mundial de David Birmingham, História de Portugal de José Hermano Saraiva, passando pelos mais particulares, Genealogias de S. Miguel e Santa Maria de Rodrigo Rodrigues, Instituições Vinculares e Notas Genealógicas de Morgado João d'Arruda Botelho da Câmara e terminando nos artigos especializados, Povoamento e colonização dos Açores de Artur Teodoro de Matos e O Portugal Quatrocentista - Um Reino de Onde Partiram Povoadores Para os Açores de Maria Helena da Cruz Coelho. Por último um agradecimento muito especial ao meu querido amigo e companheiro de ondas e outras preocupações Pedro Medeiros que me acompanha nesta senda pela açorianidade.
1 comentário:
A ideia de referências a actividade vulcânica conseguidas pelos portugueses é interessante. No entanto, creio que a referência a 1322 como sendo o vulcão que criou as Sete Cidades, creio que está errada. Essa erupção é muito posterior.
Enviar um comentário