sexta-feira, março 18

ROGÉRIO EHRHARDT SOARES



(rep. do fac-símile da minha velha sebenta de Direito Administrativo)
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«Lapidar, organizado em frases geralmente curtas, de sintaxe algo elaborada, carregado de referência histórica e de ironia queirosiana, oscila entre a citação de Shakespeare ou de Dante e a evocação de um conto infantil, de um episódio anedótico ou de um dito popular. A exemplaridade das suas sínteses é inigualável.»

O homem objecto destes louvores não é romancista mas sim jurista e chama-se Rogério EhrHardt Soares. Efectivamente, o naco de prosa reproduzido e da autoria de Paulo Rangel reporta-se a um emérito e geriátrico lente da vetusta e insigne Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Em suma, a «alma mater» de muitos Portugueses e alguns Açorianos entre os quais me incluo... pese embora tenha nascido na maternidade Alfredo da Costa e a minha naturalidade seja a de Alvalade!

Quanto ao Professor Doutor Rogério EhrHardt Soares com justiça se dirá que a fama precedia o homem. Este Professor de Coimbra disputava o título de absoluto terror dos alunos com o malogrado Professor Orlando de Carvalho, que como se sabe, era um peso pesado nesta categoria. O certo é que alcandorada no alto da colina de Coimbra a Universidade sempre se prestou a mitografias. No caso de Rogério Soares era «vox populi» que o mestre era irascível e, além disso, useiro e vezeiro em deleitar-se com puzzles jurídicos, os quais usava para «chumbar» os alunos nos exames orais.

À colação importa ainda recordar que Rogério Soares era um não alinhado no vasto rol de «evangelizadores» que iam à missa do comunismo para comungarem o marxismo-leninismo. Estes, naqueles tempos, eram uma vasta maioria na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra que só se foi esvaziando à medida que iam desertando ou guindando para o Partido Socialista. No caso de Rogério Soares a aura sombria de figura do antigo regime, conjugada com o apelido teutónico, geraram a mitografia de um autocrata!

Ainda assim, recordo-o num singular episódio que fez dele, pelo menos naquele caso concreto, um justo e um gentleman.

No prefácio desta «estória» convém dizer que uma das terríficas razões das cólicas que nos assolavam na hipótese de exame oral em Direito Administrativo era conseguirmos encaixar e desenriçar as bizarras analogias e puzzles tão do agrado do Professor Rogério Soares. Afinal, estávamos perante o homem que após páginas e páginas de doutrina de Direito Administrativo, rematava com desconcertante simplicidade o dogma de que «os actos administrativos, são actos administrativos». Mas, o episódio que ficou no anedotário Conimbricence envolvia uma colega do Porto, particularmente destemida e de «pêlo na venta». À examinanda o Professor Rogério Soares terá com soberba inquirido: - «Qual é a semelhança entre a Senhora e uma Vaca?». O homem nem teve tempo de olhar para o currículo da moça que disparou rápida e fulminante réplica: - «A mesma entre o Senhor Professor e um Boi!» Fez-se um gélido silêncio na sala que só foi quebrado pelo Professor Rogério Soares quando aquietando a destemida colega lá lhe explicou que a mesma tinha razão, porquanto, ambos eram sujeitos de Direito Administrativo e, assim mandou-a em paz... sem a «chumbar».

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1 comentário:

JFSR disse...

Tendo sido aluno do Professor Rogério Erhardt Soares na década de 60, nas cadeiras de Direito Corporativo(na qual fazia a apologia de Schumpeter) e Direito Colonial (designação à época), não posso deixar de dar testemunho de uma sua atitude, de grande dignidade.Com efeito, o nosso Curso Jurídico decidiu, ao invés do então habitual passeio a Angola e Moçambique, subvencionado pelo Ministério do Ultramar, realizar a viagem de curso a diversos Países Europeus,com a finalidade de visitar, e estudar, estabelecimentos pioneiros na área da execução de penas,sob a orientação do, ao tempo Assistente de Direito Processual Penal, Dr. Boaventura Sousa Santos. Os elementos masculinos do curso, praticamente na sua totalidade, estavam na situação de adiamento da incorporação no SMO, pelo que era exigido para a transposição da fronteira um termo de responsabilidade a prestar pelos pais. Ora, sucedia que, no meu caso pessoal, bem como de mais alguns colegas, originários das colónias, não havia possibilidade de obter, em tempo útil, tal documento. Foi então que o Professor Rogério Soares se disponibilizou para assumir, pessoalmente, essa responsabilidade.