segunda-feira, março 7

GERAÇÃO DE 70, #1

O DRAMÁTICO DE CASCAIS

Sempre que vou a Lisboa e sobra algum tempo para fazer aquilo que Aquilino Ribeiro chamava de Geografia Sentimental, não dispenso um passeio domingueiro pela Marginal a 50 à hora, de janela aberta e com o rádio invariavelmente sintonizado na Nostalgia.

Tive o meu share de puto da Linha durante a adolescência e irrita-me aquela ideia de que a mesma se circunscreve ao perímetro que vai da Cidadela ao Tamariz , espécie de reduto ecológico dos queques. A minha Linha foi outra, mais déclassé, felizmente, com epicentro em Carcavelos, onde havia uma pequena colónia inglesa ligada à estação de cabos submarinos que saíam daí para os Açores. A Elkie Brooks, por exemplo, era filha de um funcionário do cabo e cresceu naquelas paragens antes de se tornar vocalista dos Vinegar Joe, uma das poucas bandas rock que tocou em Portugal antes do 25 de Abril, no saudoso cinema Monumental. O Brian Adams, depois, também lá morou e tudo isso emprestava à pacata vila balnear um flair cosmopolita e musical que se transmitia inevitavelmente aos locais. Grande parte dos meus amigos de então, entre S. João do Estoril e Carcavelos, passavam a vida metidos em garagens e queriam ser iguais ao Jimmy Page quando fossem crescidos. Eu, que era só ouvidos, limitava-me a acompanhar os ensaios e a ir de romaria aos concertos. O santuário dessa época era o Pavilhão do Dramático de Cascais, palco de todas as edições do mítico Festival de Jazz organizado pelo Luís Villasboas, ainda antes de 1974, e do célebre concerto dos Procol Harum onde quase me vim abaixo das canetas quando tocaram os acordes iniciais do Salty Dog.

O Dramático de Cascais, construído a pensar nos jogos de hóquei em patins, acabou por entrar para a história como a Sé Catedral do rock em Portugal, sobretudo entre 1972 e 1982, e o seu rito de consagração foi sem dúvida o concerto dos Genesis em 1975, que assinalou o começo do seu tour mundial de promoção ao Lamb Lies Down on Broadway. Faz hoje trinta anos, a 7 de Março de 1975, estava eu na idade do armário, assisti àquele que, como soe dizer-se, foi o concerto da minha vida. Sentimento, arrisco-me a dizê-lo, certamente partilhado pelos milhares de pessoas que tiveram o privilégio de testemunhar a intensidade dramática e os sortilégios coreográficos de Peter Gabriel em palco. É impossível, para não dizer inconveniente, transmitir num post aquilo que por lá se passou. Recordei-o ontem em silêncio na romaria de saudade que fiz ao jardim da Parada, perto do Pavilhão, onde se gerava sempre uma efémera folia em dias de concerto. Sentado num banco revivi as caras sorridentes de toda a gente que chegava, o ambiente de reunião familiar.

Tive o grato prazer de comemorar hoje à noite ao jantar, com um amigo que também lá esteve, o aniversário do concerto mais psicadélico das nossas existências. Até parece mentira. Talvez por isso é que, obedecendo às recomendações dos promotores do evento, eu tenha resolvido guardar o bilhete.

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