Não tenho televisão por cabo. Através de uma antena interna apanho a nossa RTP-Vacas e com alguma interferência a RTP-1. Em dias de tempo sul, vento sudoeste, com pressão barométrica à volta de 3,2 bar, nuvens estirais, lua nova e etecetera e tal, consigo apanhar um formigueiro que reconheço ser o canal História através de uma captação limpíssima de som.
Ontem, enquanto na RTP-Vacas passava o hilariante programa sobre a classe turística reservada aos jornalistas locais e na RTP-1 falava sobre eutanásia, com algum esforço, um jovem, vítima de esclerose múltipla, procurei o meu histórico formigueiro. Apanhei o início de um documentário, contado na primeira pessoa, sobre a batalha de Mogadishu. O documentário tentou de uma forma satisfatória contar, na primeira pessoa, os dois lados daquela batalha homem a homem/mulher/criança. Indiscutivelmente, contada assim, a nossa afinidade cultural aproxima-se mais da história vivida pelos soldados americanos, alguns deles que só deixaram de ser criança no momento em que, olhos nos olhos, disparam pela primeira vez sobre o inimigo.
Fez-me especial impressão alguns factos que achei comuns em quase todos os relatos apresentados por parte dos invasores. Quase todos estavam ali "to kick some ass" e rapidamente "pack and go home". Quase todos ficaram chocados pelo facto de aquele filme de Hollywood não lhes estar a correr nada bem, as balas eram verdadeiras, os gritos de dor e o sangue eram verdadeiros e os mortos também. Era tudo tão diferente do esperado que parecia irreal. E depois o medo, o medo que nos empurra para a cobardia ou para a coragem, ou ainda, primeiro para uma e depois para a outra. Mas acima de tudo a irmandade, a irmandade de quem se encontra no mesmo lado da trincheira, na fronteira da vida, com o assobio da morte a passar-lhes por todos os lados, e às vezes por dentro. No fim, quase todos os sobreviventes, carregam a pena de não lhes ter sido dada uma oportunidade de voltar a trás e "kick some ass", Cinton não arriscou mais e deu ordens para "pack and come home".
Emocionei-me com estes relatos que descreviam a coragem dos outros, seus companheiros, nalguns casos uma coragem suicida para acompanhar na morte um camarada e noutros uma coragem ressuscitadora que afugenta a morte que se debruça sobre um companheiro. Finalmente, para os sobreviventes, a coragem de viver com as memórias de uma guerra.
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