quarta-feira, fevereiro 27

“Faz de cada dia um novo horizonte”

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Christopher McCandless ficou imortalizado em "Into the Wild", best-seller do Americano Jon Krakauer, como um ícone beatnick fora do seu tempo. O belíssimo livro de Krakauer é uma autópsia à rota que seguiu Chris McCandless. A obra também inspirou a realização de Sean Penn para o filme do mesmo nome, cuja estreia entre nós se aguarda brevemente.
A história verídica é a do planisfério pessoal de um jovem que ensaia um regresso à natureza na derradeira viagem de um "bom selvagem" no fim do milénio. Produto da burguesia abastada Norte-Americana, atleta exemplar, aluno brilhante com Harvard à espreita, Chris McCandless tudo renegou e, em 1992, fez-se à estrada. Numa revolta radical contra o consumismo e o excesso material da sociedade Americana Chris McCandless fez-se andarilho misantropo em busca do "genuíno latejar da existência". "Faz de cada dia um novo horizonte" era a sua divisa. Seguindo o livro de KraKauer percorremos o descaminho do lado errado da América e das suas comunidades marginais e errantes. Percorremos também os desertos do Arizona, a baja desabitada do Golfo da Califórnia, a passagem pelo Rio Colorado, os extensos mares doirados de cereais do Dakota do Sul, e finalmente, a derradeira morada de Stampede Trail no Alasca. Chris McCandless optou no final pela paz profunda da floresta à insatisfação que a sociedade lhe causava. Nas palavras de James Joyce, naturalmente proferidas noutro contexto do artista enquanto jovem, Chris McCandless, que mudou de nome para Alex Supertramp, "estava incógnito, feliz, e perto do âmago selvagem da vida. Estava só e jovem e obstinado e rebelde, só, num deserto de ar agreste e águas salobras e marés de conchas e labirintos e luz do sol pardacenta e velada". A acrescentar ao fascínio irrealista pelo lado selvagem da América Chris McCandless idolatrava o eremitismo de Thoreau e mimetizou as paisagens ficcionadas de Jack London. Todavia, foi já tarde quando percebeu que entre a ficção e a realidade por vezes o fosso é abissal. Mas, a questão que a biografia de Chris McCandless coloca é a de saber se no final do século XX é possível sermos independentes da tecnologia e da civilização moderna. Como ficou comprovado com a morte de McCandless às mãos da impenitente natureza do Alasca a resposta é naturalmente negativa. Para além das metanarrativas e das ficções de Jack London a realidade mostra-nos que a nossa espécie já não sobrevive no "estado natural" e que sem a civilização e a sociedade o homem está condenado, não a retroceder, mas sim à extinção. Essa foi a dolorosa experiência de Chris McCandless que muitos perspectivam como própria de um maníaco misantropo desprovido de qualquer responsabilidade. Mas, por outro lado, o radicalismo de Chris McCandless é um acto de liberdade numa sociedade que diluiu o indivíduo à escala de um mero contribuinte ou de um número de segurança social. O livro de Krakauer pode pois repousar na estante ao lado da "Geração X" de Douglas Coupland que, seguramente, compreendeu o êxodo de Chris McCandless em busca da última fronteira Americana. Para lá dessa fronteira fica-nos o livro como alegoria contra o conformismo que consome a nossa própria natureza.
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"O Lado Selvagem" de Jon Krakauer é entre nós editado pela Editorial Presença, e está disponível, por exemplo na Bertrand por € 13.50
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João Nuno Almeida e Sousa nas crónicasdigitais do jornaldiario.


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