Hoje, porque tenho problemas com o meu carro, que tem apenas oito mil quilómetros, vim para o trabalho de camioneta. Se só uma vez por outra, é uma viagem agradável, por várias razões. Uma porque vimos desprendidos da responsabilidade de guiar e da rotina do mesmo caminho de todos os dias. Dois porque se faz a viagem a uma altura superior, com uma outra visão do nosso quotidiano. E terceira porque se vem acompanhado de dezenas de pessoas, com vidas diferentes, com dificuldades diferentes e felicidades diferentes.
Consolei-me a prestar atenção a varandas, com as suas plantas, que me passaram quase à altura do nariz, e a espreitar para dentro de jardins alheios. Era um autocarro cheio de mulheres. Uma, notei, veio a correr a contra-relógio, em sentido oposto ao da nossa camioneta, para a paragem, com desesperada esperança de chegar a tempo de nos apanhar, ou de enternecer o condutor a esperar uns míseros segundos. Vinha, com as mãos e cuidado, a manter um casaco de malha pudicamente sobre os seus seios que saltavam desenfreadamente acompanhando, de certeza, o seu coração. Quando finalmente nos alcançou, e entrou, logo uma ou duas das usuais companheiras de viagem se meteram com ela - Sempre atrasada, Maria! Sempre atrasada! - entre gargalhadas. Ela, ofegante, só respondeu - Só eu é que sei! - antes de se esfafelar no banco, com ar de quem abusava do seu primeiro momento de descanso desde que acordara esta manhã.
Apesar de a camioneta vir cheia, o lugar ao meu lado vinha vazio. Reparei que um rapaz mais à frente também tinha o lugar ao seu lado por preencher. Numa paragem em que mais mulheres entraram, uma mulher diferente das outras entrou e sentou-se ao meu lado. Antes de se ter sentado tive tempo de lhe prestar alguma atenção. Tinha roupa a mais, de muitas cores, com muitos colares, e depois reparei, muitos anéis. Era de uma etnia diferente, mas não consegui precisar. Independentemente disso, não me pareceu uma mulher atraente. Notei que não falou com ninguém, nem ninguém falou com ela.
Momentos depois da sua decisão de partilhar o meu banco comecei a notar um odor intenso que de imediato tentei evitar desviando e mudando a direcção da cabeça. A partir de certa altura percebi que não valia a pena e inspirei, para o que desse e viesse, aquele odor que me mantinha já cercado. Depois de me habituar percebi que o cheiro era não só agradável como amigável. A mulher cheirava a arroz doce, ainda quente, com canela. Fechei os olhos e quase me apaixonei por ela.
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