quinta-feira, novembro 25
A ditadura dos interesses
Tenho por vezes dificuldade em avaliar a minha efectiva capacidade de indignação. É que são tantas as situações, tantas as notícias, com que me deparo, dia após dia, que já não consigo rir, chorar ou enraivecer-me. A manchete de hoje do Açoriano Oriental foi mais uma dessas situações, mais uma dessas notícias. Quando olho o título e leio o texto sinto-me como se olhasse para moinhos quixotianos, impossíveis de vencer. A Câmara Municipal de Ponta Delgada está a estudar a viabilidade de criação de "Sociedades de Reabilitação Urbana", com poderes de expropriação, com vista a intervir em zonas do "centro histórico" onde se constate uma maior degradação do património arquitectónico. Até aqui tudo bem, mas pelo que vem escrito mais adiante na notícia os dois principais pontos da cidade onde a Câmara pretende com maior celeridade intervir são a freguesia de São Pedro e a zona a norte da nova "marginal" de São Roque. O que é verdadeiramente escandaloso nesta trapalhada toda, para não lhe chamar outra coisa, é a claríssima e despudorada manobra de especulação imobiliária que motiva todos estas artimanhas. À partida o investimento camarário na freguesia de São Roque, com uma assassina betonização da orla marítima, era já de si contestável e, também, perfeitamente óbvia na altura a intenção. Agora, a coisa é pura e simplesmente assumida pelos seus responsáveis, todo este investimento em destruir o património natural e histórico da cidade é apenas e só um golpe imobiliário. Estas vergonhosas sociedades de reabilitação querem apenas usurpar edifícios e terrenos com objectivos não totalmente explicados, agravados ainda por um pouco claro misturar de interesses públicos e privados. Não há justificação urbanística, ambiental, ou sequer económica para isto, pura e simplesmente não há justificação. Querem à força de camartelo e sacas de cimento transformar Ponta Delgada num sucedâneo infeliz de Quarteira, ou outros exemplos tristes do que foi o "progresso" deste país nos últimos 30 anos. E depois pintam as fachadas e põem passadeiras vermelhas para nos iludir. Na freguesia de São Pedro onde se encontra, entre outras coisas, a Calheta de Pêro de Teive, a Cadeia, o parque de estacionamento do "mini costa", a EDA, entre outras coisas, está o próximo ponto na agenda imobiliária da Câmara de Ponta Delgada. E ainda ninguém falou na zona circundante do Coliseu Micaelense. Mas não é só esta Câmara, são todos os governos, com as suas SCUTS, os seus cais para cruzeiros, os campos de golfe na encosta da Lagoa do Fogo, as piscinas de mar, as marinas e todos os outros baldes de dinheiro despejados em projectos rascos e de viabilidade e interesse duvidosos. Isto tudo dá-me náuseas, nojo. Somos governados por interesses financeiros, nada mais orienta a política deste tempo do que o dinheiro, o fétido dinheiro feito à custa da história, do ambiente, e da vida da maior parte das pessoas. Merecíamos políticos melhores.
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