quinta-feira, outubro 30

O Nosso Homem na América - Milagre Eleitoral


Na próxima terça-feira, não haverá uma eleição nacional para Presidente dos Estados Unidos. Serão sim 51 actos eleitorais relativamente simultâneos que, para além do mais, nem serão apenas presidenciais e que não serão iguais em todos os 50 estados americanos e no distrito federal de Columbia. Parecendo que não, isso pode vir a fazer muita diferença.
O processo eleitoral é gerido e regulado a nível estadual e mesmo local. Se é verdade que no dia 4 teremos eleições presidenciais por todo o território, não é menos verdade que as regras para essas mesmas eleições - do tipo de boletim de voto à escolha dos locais de voto, do sistema de recenseamento às regras de contagem - são completamente diferentes (e até contraditórias) de estado para estado e mesmo de condado para condado dentro do mesmo estado, além de que são, na sua generalidade, pensadas para facilitar a participação eleitoral muitas vezes em detrimento da própria integridade da votação.
Por exemplo, há 7 estados que permitem o recenseamento no acto da votação, há estados que permitem que se vote muito antes do dia das eleições (early voting), há estados que contam boletins de voto que não estão preenchidos na totalidade, há estados que não requerem nenhum documento de identificação para validar o voto, e todo um vasto rol de outras regras que nos parecem incompreensíveis do ponto de vista da validade do processo eleitoral, mas que na América são consideradas prerrogativas estaduais.
Daí que, por exemplo, este ano, o estado do Oregon não preveja a necessidade de disponibilizar qualquer mesa de voto, já que quem desejar votar o fará pelo correio. Daí que, em 2000, o estado do Alaska tenha 19% de votantes a mais em relação à população recenseada.
Por outro lado, ao mesmo tempo que escolhem o seu próximo Presidente, os americanos estarão a escolher todos os seus representantes federais, um terço dos membros do Senado, governadores, senadores e representantes estaduais, governos municipais, delegados escolares, presidentes de câmara e xerifes, num universo de 551.000 postos elegíveis em toda a América. Nalguns casos, terão também de responder sim ou não a uma série de perguntas de âmbito municipal ou estadual, como acontecerá, por exemplo, na Califórnia, com a hipótese de abolição dos casamentos homossexuais, ou em Massachusetts, com a possibilidade de o estado deixar de receber impostos sobre o rendimento.
Preencher um boletim de voto, óptico, electrónico ou tradicional, continua, pois, a ser uma enorme confusão e um enorme risco (sim, ainda há quem use os famosos punch cards que decidiram a eleição de 2000, na Florida), o que não pode deixar de constituir uma enorme surpresa tratando-se da maior democracia do mundo.
E ainda há mais um problema que deriva do próprio balanceamento do sistema político. Para evitar que os estados maiores se impusessem aos mais pequenos, os pais do sistema americano resolveram criar um sistema de escolha indirecta do Presidente. Assim sendo, os eleitores norte-americanos não votam em Obama ou em McCain, mas sim em membros de um Colégio Eleitoral, em que cada estado está representado pela soma dos seus delegados (senadores e representantes) no Congresso Federal. No total, o Colégio Eleitoral é composto por 538 membros (pelo que a maioria é atingida aos 270) e só reúne para escolher o Presidente a meados de Dezembro, sendo a sua declaração final tornada oficial em Janeiro.
Daqui resultam dois potenciais problemas: um, que já aconteceu algumas vezes na história dos EUA (sendo a mais recente em 2000), resulta do facto de ser possível que o Presidente dos Estados Unidos não seja o candidato que recebeu um maior número de votos do povo americano; o outro, tem a ver com a possibilidade de um ou mais membros desse colégio eleitoral mudarem o sentido de voto que lhes foi confiado pelos eleitores do respectivo estado (o que também já aconteceu, ainda que sem efeitos práticos).
Quanto a eleição não é muito renhida, o sistema é tão bom como qualquer outro, desde que as partes o aceitem. Mas quando, como em 2000, se verifica um grande equilíbrio, os americanos tendem a lembrar-se de que deviam mudar o sistema, uniformizar procedimentos e tornar as regras mais rigorosas. Sim, porque o actual sistema é um verdadeiro milagre eleitoral.

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