Ontem, ao final da manhã, à porta da sua assembleia de voto, Carlos Costa Neves, quando confrontado com a pergunta da praxe do jornalista a respeito das expectativas face ao resultado eleitoral, respondeu algo como a
perca de toda a esperança de vir a ganhar um dia o Totoloto. Mais do que a superlativa ironia fica para a história a realização, pelo político, da natureza fugaz da política e, ao mesmo tempo, da perene certeza da fortuna que, tal como o significado absoluto de uma tarde de Bowling com um filho de 10 anos, vale bem mais que todas as vitórias momentâneas, tanto na política como no jogo. Para mim, e como
a minha metáfora foi o Poker e não a roleta, fica o frágil contentamento de ter acertado em metade da sequência, o que, se a aposta fosse no vermelho ou no preto daria cinquenta por cento de lucro.
Mas indo ao fundo da questão e imbuído em pleno da pressão do comentário começo por dizer que o denominador comum da noite eleitoral de ontem foi a surpresa, sendo que o único e improvável vencedor foi Rui Oliveira e Costa e a sua Eurosondagem. Até às 19:00 horas de domingo presumivelmente ninguém adivinharia o resultado final destas eleições. Nem a abstenção que todos pressagiávamos alta se calcularia
tão alta. E vale a pena começar pela abstenção, não só pela negatividade extrema dos números, 53,24%, mais de 100 000 eleitores que declinaram o direito e o dever de votar, mas e principalmente porque é essa mesma abstenção que enquadra os restantes resultados e que obriga a um esforço de contextualização acrescentado. Os resultados são o que são, mas com níveis de abstenção como os que verificamos todas as extrapolações são precipitadas e qualquer análise taxativa fica debilitada pela realidade do número de votantes. Ou seja, estas eleições foram em tudo singulares, não as tomem como exemplo mas antes como um aviso.
Posto isto, vamos então à análise dos resultados e permitam-me que comece pelos vencedores e indo de baixo para cima, como quem sobe uma ladeira. Paulo Estêvão, qual personificação moderna do Cavaleiro do Corvo, é eleito por 75 votos para o Parlamento Regional, e habilita-se assim aos 3500,00 a 4000,00 euros mensais de vencimento, fora ajudas de custo e outras regalias.
75 votos! Mas,
Paulo Estêvão não deixa de ser uma benéfica aquisição para o Parlamento Regional, quanto mais não seja pelas suas imprevisibilidade e reconhecida combatividade, o
a mim ninguém me cala, que tanto gosta de apregoar, veremos se tal é suficiente para fazer um bom deputado, ou sequer um bom grupo parlamentar.
75 votos! (pequeno parêntesis para chatear: quanto é que o PPM pagou para usar os direitos de
Como Uma Força?!?!)
Segundo numa escala ascendente de vencedores: o Bloco de Esquerda. Que de acordo com o pregão é Bloco e é Esquerda, sem que se perceba o significado de cada uma das categorias, mas enfim, isso são detalhes… O BE Açores e a sua líder Zuraida Soares, capitalizam no novíssimo círculo de compensação. Dois deputados, 3,30%, e acima de tudo a vitória psicológica de ultrapassar a CDU. O BE é o mandatário de um eleitorado jovem e instruído, principalmente descontente e contestatário, que apesar de disperso por todas as ilhas tem maior presença em São Miguel e Terceira, metade do score eleitoral do Bloco está nestas duas ilhas. Fica-me a sensação que este foi um dos mais genuínos votos de contestação à esquerda, algo que deve preocupar e muito o PS no futuro. Tenho sérias reservas com relação a Zuraida Soares, preferia de longe alguém como a Lúcia Arruda, mas veremos o que o BE vai fazer para merecer esta eleição.
Logo a seguir e quase a chegar ao céu eleitoral está o PP, de Paulo Portas e o CDS de Artur Lima e dos conservadores, em sentido lato, açorianos. Contra a corrente nacional o CDS-PP Açores consegue nestas eleições um resultado não só histórico mas francamente particular. 5 Deputados, sendo que quatro por quatro ilhas, quatro círculos eleitorais. Da mesma maneira que estou convencido que o BE foi buscar votos ao PS, também aposto que muitos destes votos do CDS-PP vêm de descontentes do PSD, principalmente nos casos de Flores, São Jorge e São Miguel. O CDS-PP afirma-se assim com uma grande força de direita na Região, o que, se eu fosse do PSD, me faria perder inúmeras noites de sono, muitas mais do que as do infeliz José Ventura. Um bom ciclo eleitoral do CDS pode, a prazo, significar a destruição definitiva do PSD.
Mas no topo da lista dos vencedores está, obviamente, Carlos Cesar. Vence as eleições, tem a terceira maioria absoluta consecutiva. Vence nas urnas em todas as ilhas, em todos os concelhos, menos um. Mandato para mais quatro anos. Ganhou. Porém, paradoxalmente, Carlos Cesar e o seu PS é também o primeiro dos perdedores da noite de ontem.
Carlos Cesar e o PS-Açores, por serem a actual maioria e Governo, têm a primeira responsabilidade, se bem que não a única, nos números da abstenção, porque não souberam transmitir a importância absoluta do direito e dever de voto. Por outro lado é importante que as estruturas directivas do PS-A percebam a realidade dos números – menos 15000 votos, descida de 56% para 49%, menos um deputado quando havia mais cinco para ganhar. Esta foi certamente a vitória mais ingrata que o PS-Açores alguma vez teve. Para o futuro importa dizer o seguinte – o PS, o PS do qual sou militante, hipotecou-se a uma vitória, a uma maioria e a uma liderança. Talvez pior do que isso fez depender isso tudo da bandeira autonomista, algo tão vago que qualquer partido ou candidato pode agitar. Num mundo em crise, num momento particularmente difícil da economia e estabilidade governativa internacional, com a perspectiva cada dia mais real de um bom par de anos ainda mais catastróficos pela frente, o PS-A abdicou de se apresentar ao eleitorado como uma força política com um desígnio ideológico firme, estruturado, genuíno. O modelo capitalista selvagem, que ninguém recusa reconhecer que caducou, e que foi durante muito tempo a desculpa para a primazia do privado na economia está em colapso, e ao longo destes anos essa foi uma das bandeiras do PS-A de Carlos Cesar, o ser liberal na economia, mas socialista nos direitos sociais. Os avisos estão aí para quem os quiser ver, dos 15000 votos que o PS perdeu, nem todos foram para a abstenção, ou para o centrão, ou até para o CDS-PP, que alguns certamente foram, mas a maioria deles foi para a esquerda eleitoral, nomeadamente para o BE e para a CDU.
Quanto ao PSD permanece num estado de limbo quase dantesco. Sem liderança, sem rumo, refém do seu passado, órfão do seu futuro. Este resultado foi talvez o pior de todos, porque não é sequer uma derrota humilhante. Pelo estado das coisas antevê-se uma hipótese remota de redenção, mas existe também, bem real, a possibilidade de este ser o princípio do fim do PSD-Açores enquanto força política de relevo. A indefinição pode levar a que o eleitorado conservador e de centro-direita se mude em definitivo para uma força política que mostra mais vitalidade, mais liderança, em boa verdade, mais vida. Uma novela que vai valer a pena acompanhar.
Quanto à CDU tem, para mim, um resultado neutro. Consegue eleger um deputado, mas fica atrás do BE e vai ter que gritar muito para que a sua voz se faça ouvir no meio do burburinho próprio de um parlamento com Paulo Estêvão, Zuraida Soares, José Cascalho, Artur Lima e mais 4, e todos os outros que PS e PSD lá vão colocar. Daqui a dois anos Aníbal Pires vai suspirar pelos tempos de oposição, mas sem responsabilidades de plenário…
Feitas as eleições resta-nos esperar que Cesar anuncie o resultado da dança das cadeiras governamentais, isso é que vai definir os próximos quatro anos e quanto a isso não arrisco palpites, nem
bluffs…
Por último uma nota para o Círculo de Compensação – se a intenção era fazer reflectir em mandatos os votos expressos em urna, então quem criou este sistema não sabia o que estava a fazer. A democracia Açoriana já tinha 7 excentricidades eleitorais, não precisava de mais uma.