segunda-feira, maio 29

«A tradição já não é o que era» !

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Entre ciganas apregoando soutiens a 5 Euros e um desvario de cervejas a 5O cêntimos pouco faltou ao arraial das nossas veneráveis Festas do Senhor Santo Cristo para incluir no lote pagão das mesmas uma actuação ao vivo do inenarrável de Sandro G e suas galinhas. Consequentemente, a lesta língua afiada do costume veio a terreiro lançar justiceiras farpas contra os excessos das festas do Senhor Santo Cristo. Citando o Grande Eça de Queiroz : "Como se diria na Bíblia : o escândalo veio pelos fariseus !". No rol dos suspeitos do costume, entre a prosódia farisaica recorrente nestes casos, lá estava a difusa nomeação das "autoridades" como autores morais responsáveis pela causa das coisas. Todavia, se por um lado é aceitável questionar, por exemplo, o absentismo de certas "autoridades" sempre alertas, designadamente, para a fiscalização das regras de higiene e segurança alimentar, por outro lado, numa sociedade livre e democrática em matéria de costumes pouco espaço há para a tutela autoritária.

Apesar de juntar a minha voz à indignação emergente pela vulgar degradação pagã das Festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres acredito, contudo, que parte substancial do problema reside na desresponsabilização individual e colectiva na qual pouca importância tem a intervenção reguladora das "autoridades". Exemplificando: com efeito parece-me fácil apontar o dedo às "autoridades", inclusivamente escarnecendo das mesmas, imputando-lhes a culpa pela descontrolada marcha alcoólatra do lado pagão das festividades, omitindo-se assim confortavelmente a concreta responsabilidade individual, parental e familiar pelos desmandos seculares das grandiosas Festas do Senhor ou de outras similares !

A cada um o que é seu, pelo que, em matéria de costumes e de gosto dir-se-á que qualquer ingerência reguladora das "autoridades" seria um exercício de mau gosto e um embotamento excessivo das liberdades individuais. Para o efeito de padronização das praxes, religiosas e festivaleiras, bastaria a tradição e a consciência do respeito devido a certas solenidades. Infelizmente, longe vão os tempos de pudor individual e de adequação aos pergaminhos dessa insigne instituição portuguesa que carinhosamente convencionamos apelidar de "respeitinho". Com efeito, parte da solução está no problema, aparentemente insolúvel, de que hoje ninguém tem "respeitinho" seja por quem for. Note-se que essa lassidão de costumes tende a diluir-se transversalmente não se quedando pelo lado secular e mundano da vida quotidiana. Por exemplo : de ano para ano a própria procissão do Senhor Santo Cristo dos Milagres abre brechas na solenidade devida que há breves décadas atrás seriam socialmente inaceitáveis. Hoje, infelizmente, entre o mar de mulheres que vão de promessa na procissão já não é invulgar o uso e abuso de jeans, a ostentação de decotes generosos, a que se juntam orgulhosos piercings em barriguinhas desnudas, e demais enfeites e caprichos no mínimo em assintonia com a nossa tradição.

Mas, como disse, já não há "respeitinho" e longe vão os tempos de padronização formal de solenidade que, intrínseca e atavicamente, eram aceites por todos quando assim ditava a tradição. Contra isto não há "autoridades" ou "irmandades" que nos valham, pois são sinais dos tempos da globalização e da vulgarização em que "a tradição já não é o que era.". !
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JNAS na Edição de 30 de Maio do Jornal dos Açores.

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