terça-feira, maio 23

"Cultura Viva"

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Foi com a bênção diocesana do Bispo de Angra que o actual triunvirato da Cultura Açoriana inaugurou, com pompa e circunstância, o Núcleo de Arte Sacra do Museu Carlos Machado. Atenta a "coreografia" de estilo litúrgico, agregando no altar, em torno dos flancos de Carlos César, o ainda Director Regional da Cultura assistido pelo novel Director do Museu Carlos Machado, os mais incautos por certo comungaram da ideia de que tal feito havia nascido por obra e graça do actual executivo, porventura, coadjuvado pela beatífica intercessão do Padre Duarte Melo.

Ademais, a epístola oficial do Presidente do Governo Regional dos Açores, apostando num profético advento próximo de uma "cultura viva", tendo por objecto uma "política museológica" assente em "planos de abrangência regional", tinha o timbre de uma boa nova que fazia tábua rasa do antigo testemunho cultural do qual deriva o acervo agora "inaugurado".

Apesar de não se tratar das obras da "Igreja de Santa Engrácia" o certo é que a inauguração da renovada "Igreja do Colégio", e do seu espólio, constituem uma obra que decorre há mais de 30 anos. A sua inauguração é por isso um acto de justiça para com o passado. Recorde-se a propósito que no longínquo ano de 1973, mais concretamente a 30 de Abril, foi celebrada a escritura pública de doação ao Município de Ponta Delgada, da "Igreja de Todos os Santos", vulgarmente conhecida por "Igreja do Colégio". No citado documento os proprietários disseram que "de hoje e para sempre fazem doação pura e irrevogável à Câmara Municipal de Ponta Delgada da dita Igreja e, bem assim, dos quadros, imagens e outras alfaias religiosas existentes na dita Igreja e que os ditos doadores desejam que àquela Igreja fiquem vinculados para sempre.". Com argumentos formais e jurídicos tão veementes não causa espanto que o imóvel em causa, que acolhe o Núcleo de Arte Sacra do Museu Carlos Machado, em parte substancial composto pelo lastro da referida doação, esteja nesta data inscrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada a favor do Município! Na verdade, o auto de cedência ao Governo Regional, outorgado em cinco de Setembro de 1977, pelo Professor José Guilherme Reis Leite, à data Secretário Regional da Educação e Cultura, tinha já por afectação funcional constituir um anexo patrimonial do Museu Carlos Machado, pelo que, como não podia deixar de ser, a cedência foi "a título precário". Como se vê, afinal, concorreram para a referida obra não só o Governo Regional, este e o anterior, mas também particulares e o próprio Município de Ponta Delgada enquanto proprietário do imóvel e do acervo que lhe está indissoluvelmente ligado. Não querendo partilhar de iniquidades alheias é justo ainda que se refira o esforço, dedicação e desvelo do anterior Director do Museu Carlos Machado, Dr. António Oliveira, cuja participação neste projecto surge ofuscada pela vaidade de outros neófitos nesta peregrinação a favor da preservação do nosso património. Por outro lado, também é justo que se diga que durante largos anos, com justificações várias, também muitos concorreram para que a "Igreja do Colégio" tivesse sido enxovalhada com um abandono vil, chegando ao ponto de servir de depósito e estaleiro de obras, o que mesmo para o católico mais relapso não deixava de ser uma profanação.

Hoje, com a devolução à cidade de Ponta Delgada desta notável "Igreja do Colégio", parafraseando as palavras do Presidente do Governo Regional "estamos, assim, todos, de parabéns.". Queira a providência Divina iluminar os poderes instituídos com a percepção de que, de facto, estamos todos de parabéns, pois se a cultura não deve ter dono, então o património cultural deve ser comungado por todos, sem sectarismos, bairrismos, partidarismos, e demais "ismos" que só nos diminuem. Que se cumpra a promessa de Carlos César de mais e melhor "cultura viva".
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JNAS na Edição de 23 de Maio do Jornal dos Açores.
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