quinta-feira, maio 18

Bons Exemplos



Assinalando a efeméride do Dia Internacional dos Museus recordo que também em matéria museológica Portugal é um País assaz bizarro.
Não! Não vou voltar aos enredos do priorado do Padre Duarte Melo até porque, na senda da prometida reforma do Museu Carlos Machado, o seu Director apresenta-nos hoje uma ousada e inovadora exposição de Arte Sacra! Confesso que apesar da truculência a que se prestam os fait-divers da política de sacristia, e dos correspectivos enredos de adro de Igreja, a minha estupefacção com a política cultural deste país não se queda pelas cercanias da sotaina de um Director de Museu mas, ao invés, é mais vasta e complexa do que a urdidura das santas e eclesiásticas vestes.

Recentemente, como bom Português, adoptei a económica divisa do "faça férias cá dentro" e abalei rumo a Lisboa com a família para as férias da Páscoa. Devidamente acomodados na capital da metrópole senti ser meu dever patriótico e paternal efectuar um tour histórico a bem da educação dos meus infantes. Quis o acaso que depois de um santo almoço de Bacalhau à Brás em Alfama, regado com vinho da Estremadura, desse comigo às portas do Museu Militar com a pretensão de ilustrar à descendência os feitos heróicos dos nossos egrégios avós. Foi com estupefacção que junto à aldabra dos pesados portões do antigo Arsenal Régio li um douto edital, assinado por um major, publicitando que por motivo da época quaresmal o museu estaria encerrado! Julgava eu que tão extravagante postura militar fosse excepção mas cedo me desenganei pois àquele boicote cultural juntava-se uma greve nacional dos funcionários dos Museus. O evento, obviamente, cobriu-nos de ridículo perante os estrangeiros que nos visitavam. Além do Museu Militar ainda tentei nesciamente mostrar aos petizes a glória dos Jerónimos, o que não foi possível devido à greve; Torre de Belém, ibidem; Museu Nacional de Arte Antiga, vulgo das «Janelas Verdes», idem?pelo que acabei por render-me à evidência que, ainda não seria desta, que cumpriria o dever educacional de deixar na memória dos meus filhos alguma estima histórica pela Pátria.

Em Espanha pude observar o anverso desta política cultural de museus negligenciados, encerrados ou em permanente remodelação. Recordo que em Santiago de Compostela, cidade Museu é certo, deparamo-nos com um feliz exemplo de dinâmica cultural e museológica. Na centralíssima Rua do Vilar estava patente um sortido do melhor que o acervo artístico do Estado Espanhol tinha para oferecer. El retrato español en el Prado. Del Greco a Goya era e é uma exposição itinerante do Museu do Prado, que oferecia ao visitante um friso cronológico dos melhores retratos do Prado que, de quando em vez, abandonavam a inércia dos salões do Prado e exibiam-se pelas províncias Espanholas. Assim, ao alcance de todos estava parte da colecção Nacional Espanhola de esplendorosos quadros de mestres como Velásquez, Goya, Zurbarán, ou de El Greco.

O certo é que para qualquer visitante Português a exposição tinha a grave pecha de ser abundante em reproduções pictóricas do rosto infame da linhagem prognata dos Habsburgos. Como bom Português senti algum despique em ser confrontado com uma ampla galeria de retratos de Filipe II de Espanha e I de Portugal, a quem, aliás, devia, por ascendência materna de D. Isabel, uma costela Lusitana. Esta terrífica criatura, austera e fria, foi o exemplo vivo do monarca absoluto e fervoroso adepto da Inquisição. Para consolo da alma Lusitana a sua prole não vingou e consta que este déspota e suserano imperial, faleceu coberto de vermes e de úlceras, depois dum doloroso e demorado sofrimento, no Mosteiro de San Lorenzo de El Escorial que, como se sabe, tinha mandado erguer para glória futura da sua dinastia. Foi com este parco consolo, bem Portuguesinho por sinal, que sai da exposição lamentando que em Portugal não tivéssemos seguido certos exemplos de Espanha, entre os quais a prática de exposições itinerantes, inteiramente grátis, do nosso património museológico. Convenhamos, que afinal de contas longe vão os tempos dos adágios xenófobos do tipo "De Espanha, nem bom vento, Nem bom casamento." Pelo menos deixe-se que o vento traga bons exemplos ou então que se façam casamentos de conveniência com quem já mostrou saber lidar com o património cultural.
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posted by João Nuno Almeida e Sousa

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