terça-feira, maio 2

Cantigas de Abril


Recordo a revolução dos cravos na voz incontornável de Paulo de Carvalho. Enquanto escrevo vou ouvindo «E depois do Adeus», canção que serviu de senha ao golpe militar da sublevação do 25 de Abril de 1974, e que hoje bem poderia ser o hino apócrifo deste Portugal irremediavelmente por cumprir. Os primeiros versos de José Niza, para a canção que Paulo de Carvalho imortalizou, são um prenúncio dessa errância, que a Revolução não resolveu, pois ainda hoje Portugal ainda se interroga: «Quis saber quem sou. O que faço aqui. Quem me abandonou. De quem me esqueci»?

Este eterno enigma é um fado que condensa o sentimento de um certo Portugal que se perdeu. Mas, a mitomania revolucionária persiste em deixar na penumbra o lado B do 25 de Abril, acreditando que o decurso dos anos encarregar-se-á de remeter para o esquecimento o lado negro da nossa história recente. Contudo, também aqui, ainda que com paradoxal ironia, é caso para dizer que há sempre alguém que resiste e há sempre alguém que diz não! Com efeito, ainda há quem teime em recordar os efeitos colaterais da grande festa do 25 de Abril.

Logo após a «Revolução da Liberdade» Portugal resvalou numa deriva comunista que representou para o País anos de atraso. À semelhança do que acontecera no passado, designadamente com a paradigmática fuga da corte Portuguesa para o Brasil aquando das invasões Napoleónicas, após o 25 de Abril a Pátria assistiu a mais um episódio de sangria das suas elites. Como se sabe com o desvario do PREC iniciou-se a caça ao «facho», com saneamentos à la carte, ocupações de propriedades ao estilo da revolução dos sovietes, nacionalizações dos «meios de produção», ao que tudo acresce um largo rol de êxitos da cartilha marxista-leninista louvados no cancioneiro de intervenção que se tornou moda depois da revolução.

Com Abril abrimos também caminho para a «emancipação» do nosso Portugal ultramarino, criminosamente abandonado num ápice, ao abrigo de uma descolonização que zelosamente cuidou de destruir séculos de entrega histórica. Mas, tudo isto eram minudências pois o passado era algo que pouco importava aos capitães que teciam loas aos amanhãs que cantam e ao homem novo numa república de igualdade. Para estes militares de Abril pouco importava sequer honrar os seus irmãos de armas que tombaram na Grande Guerra em nome da República e das colónias ultramarinas. Muito menos importava sequer honrar os outros Portugueses ultramarinos que, diligente e dolosamente, foram abandonados à mercê dos abutres que cedo mergulharam sobre os despojos do Império de Angola a Timor.

O Portugal de Abril que hoje se festeja é também o Portugal de um gang de tiranetes que se prestava a idolatrar Fidel Castro, Enver Hoxa, Ceausescu, e demais pandilha, cujos exemplos pretendiam importar para Portugal! A festa de Abril, que por um fio não descambou numa guerra civil, teve assim um lado perverso que alguns teimam em não esquecer. Para estes Portugal esteve suspenso até ao 25 de Novembro, e só encontrou o seu lugar na modernidade com a revisão Constitucional de 82 que representou o fim da folia com o enterro do Conselho da Revolução que, até então, manipulava o país e servia de supremo Tribunal da Nação.

Claro está que toda esta realidade não rivaliza com as luminosas mitomanias da pedra filosofal e quejandos que todos os anos se vão arrastando nas comemorações do 25 de Abril. Cá por mim não vou nessas cantigas!
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JNAS na Edição de 2 de Maio do Jornal dos Açores
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Dedico este post ao meu primo Nuno Barata que este ano, porque não quis, não escreveu sobre o 25 de Abril, contudo julgo que subscreveria integralmente e sem reservas esta crónica.

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