Pronto, está feito. Agora temos três anos seguidos sem campanhas, sem eleições, sem votos. Agora é deixá-los governar que o Presidente já está eleito e o governo tem maioria.
Cavaco Silva, o Tutankhamon de Boliqueime, foi então escolhido Presidente desta República. Para a história pouco interessa se por margem mínima, ou tangente, ou o que seja, o facto é que dez anos depois o Professor Cavaco lá conseguiu o que queria e o País apresta-se para mais uma década de cavaquismo. Olhando para o que se passou ao longo destes meses e para os resultados de ontem há umas quantas elações que se podem tirar.
Em primeiro lugar a direita, que ao contrário do que se diz por aí, é para mim, uma das grandes derrotadas de ontem. O caso é que o Professor Cavaco não é um homem de direita. O Professor Cavaco odeia os partidos e como tal nutre um verdadeiro desprezo pelas ideologias. A forma como o Professor Cavaco tratou os dois partidos da direita portuguesa nesta campanha é sintomático do desprezo com que o Professor olha para essa coisa das ideologias. Há mesmo na defesa que o Professor fez do pensamento único uma perigosa tendência para menosprezar os partidos e as ideologias que lhes estão apensas, com tudo o que isso traz de negativo para a nossa democracia. Os líderes do PSD e do CDS, que cumpriram à risca a ordem superior de se manterem afastados do Professor, terão agora uma duríssima tarefa para se afirmarem no panorama político nacional ensombrados que vão estar pela magnânima figura de Cavaco. Todos vimos como foram tratados, naquela que seria a grande noite de vitória daquilo que supostamente seria o campo político do Professor. Marques Mendes e as cúpulas do PSD sozinhos num corredor deserto e Ribeiro e Castro que passou pela vergonha de ver o novo Presidente da República fazer passar para o lado uma garrafa de espumante que lhe tinha acabado de oferecer, nem um cumprimento, nada, apenas o constante sorriso seráfico e passar em frente. Veremos que futuro para a direita depois de umas eleições que claramente foram ganhas ao centro.
Quanto ao Professor Cavaco pouco mais há a dizer, eu não posso com o personagem e apenas me resta resignar à ideia de o ter como Presidente, mas o espectáculo voyeuristico a que assistimos ontem pelas televisões - o Professor a calcorrear a marquise olhando pela janela para o aparato mediático - é bem representativo do que é esta figura. Incapaz de se emocionar, de se relacionar. Escondido do mundo na noite que deveria ser da sua exultação, refugiado na Travessa do Possolo incapaz de estar com os seus. Porém o pior, para Cavaco, ainda está para vir. Quando daqui a uns meses a crise continuar e o deficit for ainda um pesadelo diário e o País prosseguir na sua sina de perene depressão melancólica e quando o Professor perceber que não há optimismo, nem confiança, nem futuro, nem sequer nevoeiro, que possa ser enfiado à força num povo que não o quer receber, aí o próprio Cavaco vai olhar para o País e compreender a profundidade da desgraça. Nessa altura a única coisa que poderá fazer Portugal Maior é uma eventual recuperação de Olivença.
Depois a esquerda. A esquerda, no seu todo, ou nas suas múltiplas partes, foi vítima da sua própria natureza. A esquerda não se entende, a esquerda vive a máxima de Groucho Marx de nunca pertencer a nenhum clube que me aceitasse a mim como membro. A esquerda não gosta de pertencer, não gosta de maiorias, não gosta de grandes grupos, de acordos, de entendimentos, de desígnios, a esquerda é o que cada um dos elementos da esquerda quiser, por isso é que a esquerda nunca se entende. A extrema-esquerda culpa o PS pela eleição de Cavaco, mas não é só o PS que têm culpa. O PS têm muita culpa mas não a têm toda. Foram os partidos da extrema-esquerda quem mais culpabilizou o governo de Sócrates pelo estado das coisas e ao fazê-lo abriram a porta para o arregimentar do descontentamento popular pelas medidas que foram tomadas pelo governo. E o centro que foi quem ganhou estas eleições votou claramente em protesto contra o governo de Sócrates. A esquerda não soube ganhar o centro e perdeu a presidência pela primeira vez em 20 anos.
O PS. O PS finalmente desmoronou. Ironia das ironias, numa altura em que governa com maioria absoluta no parlamento, um velho sonho dos seus sucessivos líderes. No fundo o PS cai vítima das suas cúpulas. No PS aglutinaram-se nestes trinta anos de democracia a maioria dos mais inteligentes e hábeis políticos deste País, infelizmente são também dos mais vaidosos e calculistas, tudo qualidades. O facto é que o PS chega a 2005 sem candidatos à Presidência. Todos recusaram, uns por vergonha, outros por soberba, alguns por autocrítica, por ganância, por preguiça. O PS não soube ser partido. O PS foi personalidades, VIPs, interesses, vinganças, tudo menos o partido que tinha a responsabilidade de se apresentar ao País com uma visão e um propósito para os próximos 5 anos. O PS não perdeu estas eleições o PS abdicou de as ganhar e com isso sai deste resultado completamente esfrangalhado.
Manuel Alegre é o agente deste espatifanço. Levado por rancorosas sibilas abriu uma caixa que se pode revelar mais destrutiva do que a de Pandora. A vaidade não é um defeito per si, mas há momentos em que também não é qualidade. Pior ainda foi a constante maxima de Alegre, igual a Cavaco, de ser independente dos partidos. Como se fosse possível democracias sem partidos...
Mário Soares. Soares foi aviltado nesta campanha e no resultado. A confusão e a incultura que aumentam neste País em combinação com os ódios revanchistas que foram estrategicamente fomentados, levaram a que se instalasse a ideia de que o mais ridículo, que o mais inconveniente, que o inimigo destas eleições era o Dr. Soares e não o Professor Cavaco. Ninguém quis entender os perigos da eleição de Cavaco e jogou-se uma partida de desforra com um passado incompreendido e em que o Dr. Soares foi eleito inquisidor-mor. Soares sofre uma enorme derrota pessoal, dizem que por culpa do tempo em que vivemos, talvez, mas se assim for é porque este é um tempo de ignorância, de falta de cultura, de falência da história. Soares fez o que achava que devia ser feito e merece ser elogiado por isso.
E isto leva-me ao centro, esse grande centrão que elegeu Cavaco à primeira, e deu a maioria a José Sócrates, e nos Açores a Carlos César, e a Berta Cabral, e a Rui Melo, e a José Pedro Cardoso. Ou no continente a Fátima Felgueiras, e a Valentim Loureiro, e a Isaltino Morais. Este Centrão não se importa com a política, despreza os partidos e não entende as ideologias. Este Centrão vota por obrigação e por capricho, ou por birra, ou então por inúmeras razões do foro íntimo, emocional, racional, e quem sabe até intestinal. Este Centrão que não têm mais política do que as contas no final do mês manda hoje no País.
Bom, e agora? Agora o que é que se faz?
Resignamo-nos! Vamos passar de um adorável bébé chorão que fala bem inglês para um sorridente/sisudo sempre em pé que não bebe vinho e que não escolhe um escritor preferido para não ofender os de que não gosta...
À direita não me interessa nada, amanhem-se com o cavaco que escolheram.
À esquerda, principalmente no PS, há um enorme e importante esforço a fazer no arregimentar do partido e dos seus simpatizantes naquilo que realmente importa, nos valores e princípios da esquerda. José Sócrates tem agora a enorme responsabilidade de demonstrar que o PS é um partido que não busca ganhar eleições, que não procura perpetuar-se no poder a qualquer custo. O PS é um partido que pugna pelos princípios e valores da esquerda democrática. Que sabe amparar os seus. Que luta pelos valores humanistas que são a matriz e a herança cultural e histórica da Europa de ontem, de hoje, e de sempre.
Sem comentários:
Enviar um comentário