quinta-feira, julho 10

A entrevista

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Em pleno estágio para a silly season a RTP Açores encerrou o ciclo de entrevistas/debate com a graciosa prestação de Carlos César. O líder do PS Açores, que teve a bonomia de ser escrutinado pela televisão, teve uma performance que replicou a doutrina do Oásis...desta feita em tons de cor-de-rosa. O tom laudatório da obra feita até sugeria que neste país escalavrado pela crise há uma aldeia de resistentes Socialistas que, nestes resquícios da Atlântida, recriaram o Paraíso na terra. Para Carlos César, desde o rendimento disponível das famílias Açorianas em crescimento até ao controlo do preço dos combustíveis, tudo sugere que vivemos num eldorado Atlântico. Apesar do esforçado "contraditório" feito pelos jornalistas de serviço o certo é que os mesmos não conseguiram dissipar essa miragem que na realidade quotidiana é tantas vezes negada. Seja como for, por imperativo de honestidade intelectual, é obrigatório condescender que foi uma excelente entrevista de Carlos César. Feita, aliás, à sua medida e temperada com quesitos fora do alinhamento. Por exemplo: César esquivou-se, com a habilidade e a flexibilidade de um político profissional, ao tabu da sucessão, ao protocolo secreto com Sócrates para se recandidatar e até subiu ao podium dos paladinos da Autonomia ao fazer a reconstituição psicodramática do Estatuto que queria para os Açores e que os Senhores de Lisboa chumbaram. Agora toda a culpa recai sobre os ombros do Presidente da República. Nem sequer ocorreu aos jornalistas perguntar onde estava o grupo parlamentar do PS na AR quando a censura ao "Povo Açoriano" foi o prenúncio de um Estatuto retalhado! De permeio ficou assim a subliminar ideia que todas as maleitas que assolam este Oásis são imputáveis a forças centralistas e a gente inimiga da Nova Autonomia. Espanta-me, contudo, que no alinhamento da entrevista em causa não tenham sido pedidas contas sobre os clamorosos erros deste Governo. Desde aqueles que tiveram direito à contrição de um mea culpa público até aos outros que, apesar de estarem em estado de negação, são o fruto amargo que se deixa de herança às gerações futuras. Exemplo dos primeiros: o clima de insegurança que se vive nos Açores que estão hoje no pelotão da frente no que concerne ao consumo (e consequente tráfico) de estupefacientes com as inevitáveis refracções criminais que tal situação implica. Sobre este pesadelo, que a todas as famílias Açorianas atormenta, não se vislumbra qualquer projecto de inversão de tendência. Exemplo dos segundos: é a inqualificável amputação de parte do nosso património ambiental, com destaque para a delapidação da Fajã do Calhau, num sorvedouro de dinheiros públicos, sem que se encontre uma justificação para tal "erro" cuja magnitude não é apenas local mas um sintoma de que nem tudo são rosas neste reino de César. A todos estes escolhos César foi poupado numa reverencial entrevista em que ficou a ideia de que se tratava de tempo de antena institucional, e não de um debate com um dos candidatos à liderança do próximo Governo Regional dos Açores.
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João Nuno Almeida e Sousa nas crónicasdigitais do jornaldiario.com

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