Declaração de Intenções:
1º Sou amigo da Berta Tavares e do Rui Goulart.
2º Mesmo não sendo social-democrata nutro alguma simpatia pelo Dr. Costa Neves.
3º Sendo socialista, e não obstante inúmeras divergências de estilo e programáticas, tenho um profundo respeito pela sagacidade política de Carlos César.
Posto isto, vamos então às entrevistas. Devo confessar que na semana passada não consegui sequer comentar a entrevista do Dr. Costa Neves. O desconforto era tal que não me parecia adequado zurzir no triste espectáculo dado tanto pelo político como pelos jornalistas. O tom crispado das perguntas e das respostas, mais as acusações caluniosas proferidas, deixaram-me estupefacto. Ao que se acrescenta o facto de só ter começado a ver a entrevista a meio, quando o caldo já estava entornado e os ânimos para lá de exaltados, não me permitiam fazer uma análise completa e isenta. Mas depois de ver na íntegra a de ontem apetece-me realçar alguns dados.
Para mim há uma regra de ouro numa entrevista que dita que o principal neste género jornalístico não são as perguntas que se fazem mas as respostas que se conseguem. O entrevistador é como um garimpeiro que vai peneirando a areia até encontrar uma pepita de ouro no meio da retórica do entrevistado, principalmente se esse entrevistado for um político. O estilo in your face, acusatório e conflituoso tem elevadíssimos riscos, como se comprovou na semana passada e leva, em última instância, ao desconforto do espectador e à nulidade da entrevista. Para a história da entrevista do Dr. Costa Neves apenas ficará a briga entre este e o Rui Goulart, o que na minha opinião é péssimo para o político e mau para o jornalista.
Por isso a entrevista de ontem estava, antes de começar, totalmente condicionada pela anterior. A expectativa era saber se a atitude dos jornalistas seria a mesma o que dava logo uma vantagem estratégica ao entrevistado. Este podia manter-se sempre num plano de superioridade, fosse qual fosse a pergunta, pois já sabia da triste figura do entrevistado anterior. Eu, se fosse director da RTP-A, tinha mudado os jornalistas, mesmo correndo o risco de parecer uma censura ao trabalho feito anteriormente, a mudança dos entrevistadores permitiria criar um elemento surpresa aos espectadores e ao entrevistado e impediria termos de comparação, focalizando-se assim as atenções no conteúdo e nas respostas que, como já disse, são o ouro de uma entrevista.
Carlos Cesar, apesar de atravancado na cadeira, surgiu imperial no ecrã da RTP-A e até a primeira pergunta, sobre a Dra. Berta, foi mais um doce que os jornalistas lhe deram e mais um prego no caixão do Dr. Costa Neves, do que uma rasteira. Nas próximas eleições é contra Costa Neves que Cesar se candidata e não contra um fantasma de tailleur azul bébé que sistematicamente se recusa a ir a jogo. A primeira pergunta, e a que ficou até ao fim por fazer, deveria ter sido sobre os valores e a razoabilidade do investimento nas Portas do Mar e na sua festa de inauguração e nunca sobre fait-divers de palmadinhas nas costas em discursos de foguetório. Deixaram que Cesar se apresentasse como líder de todos os açorianos e não como líder de um partido candidato a eleições. A partir daí Cesar tinha a entrevista na mão e nunca mais a perdeu.
Sobre política uma nota importantíssima. Desde o início que Carlos Cesar compreendeu que o seu partido são os açorianos, mais do que o PS, e todas as estratégias no sentido de criar essa sintonia entre as suas candidaturas, os seus governos, e uma determinada concepção dos Açores têm sido utilizadas. Veja-se a oficialização abusiva do termo Governo dos Açores. O recente impasse na aprovação do Estatuto e a forma como Cesar hiperbolizou a matéria colocando-a em termos de um conflito grave entre a autonomia e o centralismo é um inteligentíssimo passaporte para mais uma maioria absoluta. Importaria investigar o porquê de termos chegado a este ponto. A gestão dos timmings, as alterações no texto, as negociações nas propostas. E importa não esquecer que César abriu a porta para que esta revisão do Estatuto nunca venha a ser aprovada.
Depois a entrevista foi correndo ao sabor das polémicas do momento, mas sempre sem o aprofundamento das questões, como num café. Nas tarifas aéreas, nos transportes marítimos, na ajuda às famílias, aquilo que parecia implícito nas perguntas era depois descartado para passar ao tema seguinte. Mas um momento merece ser realçado. O suposto conflito entre membros do Governo Regional, com a insinuação de não se falarem em reuniões de Governo. Ao jornalista caberia sustentar a acusação, que obviamente foi liminarmente rejeitada por Carlos Cesar, é que fica no ar a ideia que a pergunta é feita com base em rumores, boatos e jogadas de bastidores, o que prejudica a necessária isenção do entrevistador. Se a questão era a sucessão então que se fizesse essa pergunta frontalmente e não agitando com uma suspeição impossível de comprovar. Mas da mesma maneira que faltou falar em sucessão também faltou falar na tão propalada renovação no futuro Governo, nas listas de deputados, na abertura aos independentes, no próximo quadro comunitário de apoio, no pós 2013, no fim das cotas leiteiras, na acção do PS nas autarquias, na captação de novos mercados emissores para o turismo e tantos, tantos outros, temas de extrema importância para o futuro dos Açores e de nós que cá vivemos.
De resto, Cesar respondeu ao que quis e como quis, sem impedimentos, sem confrontos e com isso cimentou ainda mais a ideia generalizada de que é o melhor político actualmente no activo nos Açores garantindo mais quatro anos na liderança do Governo Regional e quem sabe se outros mais.
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