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O «Encontro de Bloggers» do passado fim-de-semana, numa iniciativa coordenada pela Muu-Produções (Alexandre Pascoal, Victor Marques e Pedro Arruda) congregou a confraria dos suspeitos do costume, porquanto, apesar da crescente abertura ao Admirável Mundo Novo blogoesférico, ainda persistem algumas resistências ao convívio entre internautas entrincheirados em campos ideologicamente opostos. Nada que cause espanto numa sociedade desabituada à dissenção e ao contraditório e que teima em desembaraçar-se das areias movediças do pensamento único.
Como se sabe, desde cedo, as clivagens blogoesféricas vieram demonstrar que as ideologias não morreram, porém também mostraram, a quem quis ver, que é possível conviver com hostes acantonadas sob diversas bandeiras. Ademais, arrumar a blogoesfera entre partisans de Esquerda e fasci de Direita é sobremaneira redutor, mas é quanto basta a uma moral de pacotilha que se satisfaz com a lógica securitária dos rótulos. Contudo, nem toda a Esquerda é proletária, assim como nem toda a Direita é redneck! Seja como for, felizmente, a vida não se esgota na política e a blogoesfera também não escapa a esta realidade.
Mas a pulsão da escrita tem actualmente no Blogger uma plataforma comunicacional privilegiada. Ainda assim, há quem teime em recusar visitar a blogoesfera por aprioristicamente entender que esta é uma feira de vaidades! Por certo os procuradores de tão preconceituosa acusação são da estirpe pouco dada às liberdades individuais, tendo assim dificuldade em aceitar a radical liberdade que se respira na blogoesfera.
Mas afinal o que é que nos faz correr? Além da estafada resposta que passa pelo cliché da "cidadania participativa" e do "direito à indignação", julgo que a resposta deverá ser recolhida de um poço com motivações ainda mais atávicas e profundas. A visceral vontade de escrever, potenciada hoje pelo Blogger enquanto plataforma livre e gratuita, tem uma motivação que foi magistralmente condensada por George Orwell num tempo em que ainda não havia sequer internet. O celebérrimo Orwell, num ensaio que se desenrolava sob a interrogação "Why I Write", concluiu que, descontada a motivação da sobrevivência, qualquer escriba, independentemente da atmosfera da sua época, é condicionado a escrever por quatro razões preponderantes: "puro egoísmo", "entusiasmo estético", "impulso histórico", e finalmente mas não menos relevante, "motivação política". Referia o mestre, eventualmente, num juízo de auto psicanálise, que a escrita derivava primacialmente do "desejo de parecer mais esperto do que os demais, de se ser comentado, relembrado após a morte, e de exercer pura vingança sobre os mais velhos que nos tinham desprezado na juventude"... and so on. Mas, esta comezinha motivação humana não é exclusiva de quem escreve, pois é amplamente partilhada com cientistas, políticos, artistas, advogados, empresários e demais "biodiversidade" humana. Seria então a escrita impulsionada pelo "entusiasmo estético" ? Claro que sim, pois além da dimensão utilitária do que se escreve, há sempre uma vontade, subliminar ou não, de que a prosa seja agradavelmente superior ao ponto de agarrar o leitor, sob pena de o mesmo nos trocar pelas "Páginas Amarelas". Quanto ao "impulso histórico" numa linha Orwell resolvia a mesma com a constatação de que, de um modo geral, o que se escreve é um reflexo do tempo que se vive que fica assim conservado para a posteridade. Finalmente, para Orwell o mais importante era a "motivação política". Esta, contudo, não se esgotava na política de campanário, feita na sombra do adro das capelinhas que apenas servem para prestar culto aos reles interesses da vidinha quotidiana. Não. Aqui a "motivação política" deverá ser lida na sua maior amplitude possível, desde logo, como encruzilhada na demanda de empurrar o Mundo numa determinada direcção em que se acredita, fazendo uso da escrita para, em alteridade, congregarmos companheiros para uma causa comum.
A perspectiva Orwelliana ajuda a sistematizar motivações difusas mas deixa na sombra uma outra realidade. Com efeito, é possível dedicar algum tempo à escrita, blogoesférica ou de outra natureza, por puro divertimento e em homenagem a outros valores humanamente relevantes como o humor, a ironia, o sarcasmo, a sátira, a crítica de costumes, e até a brejeirice. Haverá por certo muito "velho do Restelo" que desdenhará de tão comezinhas motivações, mas não é menos certo que as mesmas estão no sangue da condição humana. Esta mesma condição humana obriga-nos ao convívio em sociedade, pelo que, existindo interesses comuns inevitavelmente os fóruns de debate e comunicação surgem naturalmente, sendo disso exemplo o "Encontro de Bloggers" do passado fim-de-semana.
Na verdade, o "meeting" informal das Furnas foi essencialmente um retiro de "bloggers" que, pela dimensão da circunstância insular, inevitavelmente são conhecidos uns dos outros. Ainda assim, houve espaço para servirmos de anfitriões a outros "bloggers" que apesar de falarem a mesma língua de Camões fazem-no com sotaque substancialmente diferente. Sem querer aparentar um chauvinismo primário não posso contudo esconder a minha decepção com algum deslumbre e endeusamento com personalidades da metrópole que até confessaram ignorar em absoluto a realidade blogoesférica dos Açores! Julgo que numa próxima edição o painel de convidados da Muu-Produções deverá ser calibrado com valores regionais, como por exemplo Dionísio de Sousa ou Manuel Melo Bento, numa salutar miscigenação com as estrelas blogoesféricas do continente ou até mesmo da nossa diáspora. Seja como for a blogoesfera vai andar por aí...quer seja uma feira de vaidades ou um mercado de ideias. Eu cá por mim continuo a preferir ir ao mercado.
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JNAS na Edição de 28 de Março do Jornal dos Açores
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