terça-feira, outubro 25

Por um Jornalismo Cultural

:contributos irreflectidos *

Temos ou não nos Açores e em Ponta Delgada, em particular, um jornalismo dito cultural?

Com isto pretendo questionar o seguinte: num período em que assistimos, talvez, pela primeira vez, ao funcionamento de salas de espectáculos com programação regular, assídua e a um ritmo contínuo - será que o público dispõe de toda a informação atempada e de forma esclarecida? Há necessidade da revisão do que foi visto? A crítica sem ser necessariamente depreciativa, como muitos querem por vezes entendê-la, mas sim a depuração do espectáculo que acabamos de ver - é necessária ou apenas fundamental? É importante "assistir" aos espectáculos para efectuar a sua análise? Fará a crítica parte do processo da formação de públicos? O público terá necessidade da crítica ou da informação daquilo que vai ver? Temos um público especializado? Ou temos apenas público!?

Com isto não pretendo menosprezar o público afirmando grosseiramente e de forma estereotipada de que é passiva a recepção cultural, pois a mensagem cultural não encontra um vazio de referências mas sim diferentes formas de recepção que têm directamente de ver com a capacidade de assimilação de cada ?grupo? ? quer por intermédio da alteração da natureza da obra, quer pelo pressuposto que as obras artísticas pressupõem múltiplas interpretações cujo valor definitivo depende da capacidade de recepção de cada indivíduo. Daí, a necessidade constante e crescente de contextualização e disponibilização da informação sobre as diferentes propostas culturais que se apresentam em agenda.

Mas, as notícias sobre a cultura não são Cultura?

Os órgãos de comunicação social regionais fazem um trabalho meritório, sem dúvida. Mas, deviam assumir desde já um papel mais interventivo e criativo. Será que a agenda cultural é importante para os media locais? Estarão os jornalistas preparados para fazer a cobertura jornalística cultural que se impõe? Não. Conheço bem a realidade informativa da região e conheço as condições e as dificuldades do dia-a-dia. Mas, há-que combater a ?resposta oficial? - os constrangimento dos meios, fundamentalmente financeiros que reflectem a escassez de recursos humanos, de formação e, sobretudo, de especialização. Mas essa escassez não se reflecte na área desportiva, porquê? Aí passamos a outra questão: a opção cultural é uma questão que pressupões critérios editoriais. Percebo mas por princípio não concordo. Obviamente que, neste ponto, existem excepções mas isso não é suficiente pois a prática maioritária dita o contrário.

Neste sentido na visão que nos é dada pelos media, apesar da difusão de uma multiplicidade de opiniões, muitas delas contraditórias e inconsistentes, por forma a agradar a todos, persiste uma tendência para a continua transmissão de mensagens estereotipadas para as grandes audiências heterogéneas. O mesmo já não acontece com os grupos considerados ?minoritários? pois aí o discurso é mais dirigido, complexo e especializado, sendo que os códigos culturais não são transmitidos pelos media mas sim pelo capital cultural intrínseco a cada indivíduo. Essa informação raramente está disponível nos medias regionais mas sim nos mais especializados cujo acesso per si está à partida delimitado.

No momento cultural actual o papel dos media (e da imprensa escrita, em particular) é muito importante mas não está isento de desvios devido a inúmeros constrangimentos na medida em que a leitura de jornais (que não os desportivos) pressupõe um público familiarizado com as letras e esse é, ainda, um cenário longínquo. O trabalho é de formação, familiarização e sobretudo da reintrodução de hábitos de consumo cultural no quotidiano insular ao qual os jornais e os jornalistas têm uma palavra - importante - a contextualizar.

Alexandre Pascoal

* escrito em afterhours e após dose dupla de jazz com Cyrus Chestnut e David S. Ware (integrados no VII Festival de Jazz de Ponta Delgada e que decorreu no Teatro Micaelense de 20 a 23 de Outubro)
** in edição de 25/10/05 do Açoriano Oriental/Suplemento de Cultura da responsabilidade de Mariana Matos e Catarina Furtado

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