quarta-feira, outubro 26

Albert, o Lavrador dos mares






A 13 de Novembro de 1848, o ano da segunda Revolução em França, nascia Albert Honoré Charles Grimaldi. Os Grimaldi, família de origem genovesa que desde a Idade Média eram senhores do Mónaco, estavam há muito familiarizados com o convívio do mar, ou não fosse esse senhorio um pequeno enclave rochoso na costa mediterrânica francesa, junto à fronteira italiana. Depois dos seus estudos no colégio Stanislas em Paris, Albert debuta com dezoito anos como guarda-marinha na Armada espanhola (1866-1868), após o que serve sob o pavilhão francês durante a guerra de 1870 contra a Prússia. O jovem oficial não era, contudo, feito à medida dos couraçados de ferro. Preferia a leveza dos veleiros e o desenho esguio dos seus cascos em madeira. Em 1873, quando viajava por Inglaterra, vê no pequeno porto de Torquay uma escuna de 30 metros, a Pleiad, que lhe arrebata o coração. Ao comprá-la, rebaptiza-a de Hirondelle (andorinha), pois o termo francês goélette (escuna) era também sinónimo de andorinha-do-mar, cujos movimentos ágeis e elegantes faziam lembrar este tipo de embarcações.
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Albert poderia então ter seguido, como muitos outros aristocratas e cabeças coroadas daquele tempo, uma carreira de plaisantier ou yatchman nas águas plácidas do Mediterrâneo, mas o seu genuíno gosto pela navegação leva-o para a profundidade oceânica do Atlântico e, entre 1878 e 1884, faz sucessivos cruzeiros desde a Islândia, Terra Nova e Mar do Norte, até aos Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde. Em 1885, cumprido o tirocínio de lobo do mar e aproximando-se já da maturidade, Grimaldi conhece numa Exposição em Paris o naturalista francês de ascendência inglesa, Henri Milne Edwards, que o encoraja a orientar as suas viagens para a pesquisa científica dos oceanos, cujas profundidades pelágicas eram ainda desconhecidas naquele tempo. A partir desse encontro a rota de Albert Grimaldi orienta-se decisivamente para a oceanografia e os mares das ilhas dos Açores serão um dos territórios predilectos das suas campanhas científicas pois, como ele próprio diz, a grande profundidade das águas circundantes (do arquipélago) levaram-me a escolhê-lo como centro de novas pesquisas

Em 1889, com a morte do pai, Charles III, assume o título de Príncipe Albert I do Mónaco, mas nem por isso a sua dedicação ao estudo dos mares irá esmorecer, até porque as renovadas capacidades financeiras lhe permitem encomendar ao estaleiro inglês de Blackwall outra embarcação, a Princesse Alice, construída de raiz para fazer campanhas oceanográficas, com motor auxiliar, sistema eléctrico, câmaras de frio e laboratório fotográfico. Foi neste lindo veleiro de 50 metros, um yatch misto com esqueleto de aço e casco em teca, que Albert realiza nos Açores, em dois anos consecutivos (1895-1896), as campanhas que marcarão profundamente o seu percurso de oceanógrafo e, curiosamente, qualquer uma delas está articulada com a caça ao cachalote, uma arte ao tempo bastante difundida nestas ilhas.

Tudo começou no dia 18 de Julho de 1895 quando o Princesse Alice se encontrava ao largo do porto de Angra, na ilha Terceira. O comandante da expedição vê dois conjuntos separados de lanchas baleeiras que, içando a vela, rapidamente se afastam da costa em perseguição dos cetáceos avistados pelas vigias em terra. À respeitosa distância de milha e meia e desligando o motor mal as baleeiras arrearam o pano, o Princesse Alice irá testemunhar a captura de um desses gigantes dos mares cuja morte, involuntariamente, acabaria por reverter em benefício da ciência. Após longa e violenta agonia, a enorme massa imobiliza-se ao lado do barco e o cachalote vomita a comida ingerida no seu último mergulho. Albert e os naturalistas que integravam a expedição, já de si emocionados com o episódio da caça, nem queriam acreditar no que viam; o almoço do cetáceo estava fresco e os alimentos, vomitados inteiros, não tinham passado do seu esófago. As lulas de grandes dimensões recolhidas a bordo do Princesse Alice eram testemunhos preciosos da fauna marítima em profundidades pelágicas a que a ciência da altura ainda não chegava, mas aonde os cachalotes iam com toda a naturalidade. O efeito desta descoberta deixou no Príncipe do Mónaco uma marca impressiva ao ponto de, no seu livro de memórias La Carrière d?un Navigateur, dedicar um capítulo inteiro ao assunto sob o título de La mort d?un cachalot. Animadíssimo com os novos horizontes que se lhe abriam, Albert planeia de imediato outra expedição aos Açores para o ano seguinte, desta feita já equipada com duas canoas baleeiras e os seus respectivos arpoadores; um escocês e outro cabo-verdiano.

A campanha de 1896 é preparada de forma tão rigorosa e detalhada, que integra nas suas fileiras uma aguarelista, Jeanne Le Roux, com a incumbência de fixar as cores da fauna marítima pescada de fresco, pois a tanto não chegavam ainda os progressos da fotografia que, aliás, era muito utilizada por Albert I no decurso das suas expedições oceanográficas. À falta de clichés a cores, o desenho científico dos naturalistas cumpria perfeitamente a função, como de resto o demonstram não só as pranchas feitas por Mlle. Leroux, mas igualmente as de D. Carlos I, rei de Portugal, também ele notável aguarelista e homem do mar, cuja paixão pela oceanografia lhe foi em grande parte transmitida por Albert Grimaldi.

Terão sido, aliás, os progressos feitos nesta expedição do Princesse Alice, que o soberano monegasco telegrafou de imediato a D. Carlos I, que ajudaram o monarca português a decidir empreender nesse mesmo verão uma campanha oceanográfica a bordo do seu iate D. Amélia, a primeira alguma vez realizada nas costas de Portugal. O telegrama do Príncipe do Mónaco participava a descoberta e localização daquilo que ficou conhecido por banco Princesa Alice, uma dorsal montanhosa cinquenta milhas a sudoeste das ilhas do Faial e Pico, submersa a uma centena de metros do nível do mar. O achado foi um acontecimento pioneiro no domínio da topografia oceânica de profundidade ? cuja importância era então realçada pelos cabos submarinos intercontinentais que cruzavam o Atlântico ? e representou também uma boa notícia para a economia local, pois os recursos do banco de pesca foram desde logo notados pela sua abundância.

Verdadeiro lavrador dos mares, Albert I dedicou-se também a outros trabalhos nos Açores e as relações de amizade que mantinha com D. Carlos I e veio depois a estabelecer com o Coronel Francisco Afonso Chaves, o seu único interlocutor científico local, contribuíram para a tomada de consciência da importância e centralidade do arquipélago em domínios como a Oceanografia, Climatologia, Meteorologia, Pescas e Biologia Marinha, áreas de estudo essas que ainda hoje colocam estas ilhas no mapa da investigação científica mundial.

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