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JORGE LUÍS BORGES, pressentindo a solidão gélida do ataúde, antes de encomendar a alma ao criador deixou-nos um impressionante poema incluso em «La Moneda de Hierro», um dos derradeiros volumes onde também sepulta os seus últimos poemas. Entre eles está «El remordimiento», uma das mais lancinantes confissões da literatura contemporânea, que desnuda o mal de vivre do poeta que foi sempre maior do que a sua pequena tragédia íntima e existencial.
Cometi o mais horrível dos pecados
Que se pode cometer. Não tenho sido feliz.
Que os glaciares do esquecimento
Me arrastem e me percam, despiedados.
Por meus pais fui gerado para o jogo
Arriscado e formosíssimo da vida,
Para a terra, a água, o ar, o fogo.
Defraudei-os. Não fui feliz. Cumprida
Não foi sua vontade. A minha mente
Apliquei às simétricas porfias
Da arte que entretece ninharias.
Legaram-me valor. Não fui valente.
Não me abandona. Está sempre a meu lado
A sombra de ter sido um desgraçado.
(Poema «O remorso» é aqui postado na Tradução «feliz» de José Bento em «Conhecer Borges e a sua obra», de Marcos Barnatán, numa Edição da Ulisseia.)
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