quinta-feira, janeiro 15

Bandeirola

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"1.A Região tem bandeira, brasão de armas, selo e hino próprios, aprovados pela Assembleia Legislativa. 2. Aos símbolos da Região são devidos respeito e consideração por todos. 3. A bandeira e o hino da Região são utilizados conjuntamente com os correspondentes símbolos nacionais e com a salvaguarda da precedência e do destaque que a estes são devidos. 4. A bandeira da Região é hasteada nas instalações dependentes dos órgãos de soberania na Região e dos órgãos de governo próprio ou de entidades por eles tuteladas, bem como nas autarquias locais dos Açores." Literalmente é este o texto do artigo 4º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Assembleia da República, pela revisão operada pela Lei 2/2009 de 12 de Janeiro.
Lei esta, recorde-se, de "valor reforçado" porque carece de aprovação por maioria de dois terços da "deputação" da República Portuguesa, como obriga o n.º 3 do art.º 112 e a alínea f) do n.º 5 do art.º 167º da Constituição. Ora, a fazer fé nas notícias propaladas cá no burgo o Comando da Zona Militar dos Açores, com dolo directo, prometeu sublevação marcial nesta matéria recusando hastear a bandeira dos Açores nos quartéis e casernas da Região! Este é apenas mais um episódio pícaro no folhetim da aplicação do nosso Estatuto. Depois do Presidente da República ter deixado passar por "lapso político" a fiscalização de outras normas de natureza inane, agora temos um subordinado do Comandante Supremo das Forças Armadas a fazer gala de que não cumpre com as Leis da Assembleia da República. Ora, nem mesmo o Professor Cavaco Silva se lembrou deste crime de lesa-República e, consequentemente, sancionou o devido respeito aos símbolos da Região ao promulgar no pacote de revisão estatutária o citado art.º 4º.
O episódio é mais uma guerra de diversão com as Autonomias que só se compreende no subconsciente de um centralismo atávico. Junta-se a este trauma uma desconfiança congénita em relação à Autonomia, como solução de compromisso histórico em relação às erupções independentistas, e logo temos um rol de apóstolos do terreiro do paço. Pelo evangelho de Lisboa e dos interesses da República pregam contra os símbolos da Autonomia, mesmo pecando contra as Leis da República (!), e se precisam de apoio dogmático têm sempre à mão a habitual cartilha de eméritos constitucionalistas com a oportuna interpretação restritiva da lei.
Uma bandeira é apenas um símbolo! Mas este e outros episódios também simbolizam seculares tradições de centralismo e de má consciência para com os Açores e a Madeira. Aquietem-se que não será por termos a nossa bandeira junto ao vosso pavilhão que seremos "independentes". Somos como vós cidadãos da mesma República, obrigados ao mesmo jogo da legalidade, que não prescinde também das respectivas bandeirolas para decretar offside a quem não deve respeito às regras da República.

João Nuno Almeida e Sousa nas crónicasdigitais do jornaldiario.com

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