quinta-feira, janeiro 24
CineClube
Charlie Wilson's War A era George W. Bush ficará, por certo, como um tempo em que Hollywood apostou em olhar, de forma directa e desencantada, para a história recente do seu próprio país. E não necessariamente filmando o pós-11 de Setembro. «Jogos de Poder», de Mike Nichols, é uma brilhante ilustração dessa atitude: um filme sobre a acção mais ou menos "clandestina" de Charles Wilson (senador Democrata do estado do Texas) que, durante os anos 80, conseguiu mobilizar apoios para a luta dos mujahidines, no Afeganistão, contra as tropas da União Soviética. Cruzam-se aqui dois vectores históricos: por um lado, essa foi uma das frentes que mais contribuíram para o enfraquecimento do império soviético e, por extensão, para a queda do Muro de Berlim (1989) e o fim da Guerra Fria; por outro lado, embora sem explicitar tal perspectiva, o filme evoca a visão daqueles que consideram que a posterior exclusão do Afeganistão das prioridades políticas dos EUA abriu caminho aos talibãs e a todas as manobras que conduziram aos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001. «Jogos de Poder» é, sobretudo, o retorno feliz a um registo de sátira que vive da frieza com que contempla os bastidores da cena política. Em boa verdade, nada que seja estranho ao olhar metódico, sagaz e "amoral" de um cineasta como Mike Nichols. Afinal de contas, ele é o mesmo que dirigiu «Escândalos do Candidato/Primary Colors» (1998), comédia em que John Travolta encarnava um "sósia" de Bill Clinton, tendo também assinado essa fabulosa proeza televisiva que é «Anjos na América» (2003), série que evoca os tempos de descoberta da sida, desmontando de forma muito crítica algumas atitudes da administração Reagan. A força deste cinema não está tanto na sua acidez política (suscitando ou não a nossa simpatia, poderia não passar de um exercício panfletário) como na espantosa capacidade de, muito para além de qualquer cliché ideológico, conferir espessura humana às suas personagens. Mike Nichols, convirá lembrá-lo, é um veterano que vem do teatro, começando por ser um extraordinário director de actores (estreou-se na realização cinematográfica em 1966, com «Quem Tem Medo de Virginia Woolf?», com o par Elizabeth Taylor/Richard Burton). No caso de «Jogos de Poder», a reunião de três actores "oscarizados" é um trunfo decisivo: são eles Tom Hanks (no papel de Charles Wilson), Julia Roberts (uma mulher riquíssima que apoia o senador) e Philip Seymour Hoffman (um agente da CIA que combina a rudeza com o pragmatismo). Sobra apenas a infeliz "imaginação" do título a usar no mercado português, tanto mais que se presta a confusões com «Jogos de Poder - O Atentado» (1992), com Harrison Ford, e «O Jogo do Poder» (2000), também um filme sobre a cena política norte-americana. É pena que não se tenha utilizado a simples e esclarecedora tradução do original: "A Guerra de Charlie Wilson" (por João Lopes in Cinema 2000). Nem mais a propósito.
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