segunda-feira, julho 16

o poker partidário

divagação sobre os resultados em Lisboa

As eleições para a Câmara de Lisboa são perfeitamente fáceis de analisar. O grande dado a tirar delas é que metade dos eleitores, se excluirmos a dita abstenção técnica, está-se literalmente nas tintas para participar no ritual democrático. A outra metade está totalmente embrenhada nos avanços e recuos do poker partidário. Estes dois dados não têm nada de mal, nem sequer de particularmente preocupante, é assim mesmo, é um facto da vida em democracia. As pessoas, o povo, quer ser governado, alguém que tome conta das coisas, e quanto menos o povo tiver que se chatear com isso melhor. O que é preocupante, pelo menos para mim, é a desonestidade dos poucos que estão dentro do dito poker partidário. Os vários spins a que assistimos ontem deixam uma péssima imagem da maturidade, ou falta dela, da opinião pública portuguesa. Desde os directórios partidários, aos comentadores encartados, todos se lamentavam da gravíssima abstenção e, muitos deles, desejavam ver nisso um sinal da falência da democracia. Este discurso é que é verdadeiramente preocupante, porque é este discurso e não a abstenção em si que abre a porta aos inimigos da democracia. Já nem vale a pena lembrar Churchill, ou será que vale? A democracia é o melhor dos sistemas e a abstenção, tal como os partidos, ou os grupos de cidadãos, são um elemento fundamental de qualquer democracia. Mas para não fugir muito à questão, voltemos aos resultados de Lisboa. Quanto à abstenção, nada a dizer, podia ter sido umas décimas menor, ou maior, mas foi acima de tudo normal. No resto é que está o tutano do poker partidário. O que os resultados demonstram é que PS e PSD estão profundamente divididos internamente, o primeiro menos, o segundo mais. A esquerda à esquerda do PS estabilizou o seu eleitorado. E a direita já percebeu que tipo de político é Paulo Portas e penalizou-o por isso. Eu explico: na minha modesta opinião é um erro pensar que Carmona ou Roseta, são grandes vencedores nestas eleições ou que representam uma penalização do eleitorado aos partidos, é um erro porque o grosso dos eleitores destes dois candidatos vem dos partidos, PSD e PS respectivamente. Se estas candidaturas fossem tão salvadoras como pretendem tinham ido buscar muitos mais votos à abstenção, e não foram. O eleitorado de Roseta é feito da mesma matéria que a própria candidata, socialistas românticos, que quer por inocência, quer por desilusão, ou em alguns casos por vingança, estão hoje em antagonismo com o PS de Sócrates. O eleitorado e a campanha de Carmona foi feita por várias alas de apoiantes de barões do PSD, com o único objectivo de fragilizar ainda mais Marques Mendes. Não há aqui nada de sistémico anti partidos, antes pelo contrário, isto não passa de um fenómeno de disputa de peso, influência e liderança dentro dos dois principais partidos da democracia portuguesa. Os abstencionistas perceberam-no à légua. Que pessoas inteligentes venham fazer o discurso catastrófico do fim do sistema democrático e partidário é que é preocupante e lamentável. Os partidos são ainda a melhor maneira de sustentar o sistema democrático e não há democracia sem eles, quantos mais houver melhor. Cada um de nós pode escolher o seu lugar na democracia: abstencionista ou participante, conspiratório ou desiludido, militante ou independente; mas não devemos nunca esquecer que tanto os partidos como o próprio sistema democrático é feito de pessoas, indivíduos como nós, por isso se há alguma culpa a encontrar essa culpa não é da democracia, nem dos partidos, mas de todos nós.

Mas é claro que os partidos não são entidades impolutas, estas eleições demonstraram-no bem. O tristíssimo espectáculo do secretário geral do PS a discursar para lisboetas sexagenários de Cabeceiras-de-basto; as declarações cabalísticas de Paulo Portas sobre "a maneira de fazer política em Portugal"; ou o silêncio ensurdecedor dos adversários de Marques Mendes. Estes dados demonstram que ainda há, (haverá sempre?) dentro e em torno dos partidos muito jogo sujo, escondido, muito marketing e teatro. Mas só se pode desmascarar e impedir esses jogos estando dentro do jogo. A grande pergunta que a mim me fica destas eleições é o que foi que levou António Costa a ser candidato nestas eleições e o que é que o PS pretende para a capital do País nos próximos seis anos?

Sem comentários: