quarta-feira, julho 25
O mausoléu das letras.
Philip Guston , Head and Bottle 1975
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Tempo de férias é também tempo de arregimentarmos as leituras que se guardam para o remanso dos dias estivais. Antes de ordenar a minha lista de leituras não resisti a um prévio tirocínio com um autor Açoriano. Daniel de Sá editara recentemente uma novela que traça a biografia pastoril de Manuel Cordovão, personagem que "vigiava as ovelhas com um livro na mão", e que merecera o título "O Pastor das Casas Mortas". Finda a leitura fica a certeza de que nem autor nem editora quiseram acomodar a obra na estante da dita "literatura Açoriana". Esta, como se sabe, tem como marca originária recorrentes referências às "brumas", a narração das desventuras da "diáspora" da emigração, e a evocação pós-traumática da experiência da guerra colonial. Logo, qualquer "literatura Açoriana" que vá por esse caminho é inevitavelmente dejá-vu. Seja como for a glorificação da denominada "literatura Açoriana" serviu durante longas décadas para proveito não dos leitores mas sim dos autores. É que um autor Açoriano não é um vulgar escritor, é um "artífice das palavras" ou algo superior. Assim, com predicados de semideuses os escritores Açorianos, mesmo que escassamente lidos, são usualmente subsidiados. Tratando-se de uma congregação de "autores" que frequente a mesma tertúlia, ou círculo de amizades, em vez de se subsidiarem individualmente as luminárias das nossas letras, há sempre quem trate de subsidiar as editoras que lhes servem de ninho e dão à estampa as suas obras imorredouras. Aqui a vulgata das regras da economia de mercado não tem lugar, pois tão ilustres criadores não são "mercenários das letras" mas sim "Artistas". Logo, os autores Açorianos gratificam-se mutuamente pois, além de se lerem uns aos outros, pouco mais podem ambicionar do que uma edição subsidiada com tranche destinada a depósito de biblioteca pública. Além desta realidade fará sentido o debate da "literatura Açoriana" ? Creio que não, pois a denominação de origem não basta para sustentar uma imagem de marca que não passa pela prova das regras do mercado livre. Efectivamente, se aquilo a que podemos chamar "literatura Açoriana" é uma realidade, então não duvido que essa literatura vai ter que provar o seu real valor no contexto do mercado aberto e livre, tanto quanto possível no espaço nacional e internacional. Esse é pelo menos o mérito do desafio da obra citada de Daniel de Sá cuja editora já projecta a sua tradução para o Inglês, ambicionando apresentar o autor a outros mercados. Finalmente, mas não menos relevante, numa sociedade em galopante mutação causa assombro que não surjam novos valores, na dita "literatura Açoriana", com uma nova paleta de temas menos bucólicos e mais urbanos. Até lá a estante de "literatura Açoriana" será um amplo mausoléu de leituras fúnebres e canhestras.
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João Nuno Almeida e Sousa in crónicas digitais do jornaldiario.
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