Fui aluno do Liceu entre o meu 7º e 9º ano. As memórias são tantas e diversas que seria impossível metê-las todas num post. Vou tentar publicar alguns episódios dessas memórias. Aqui vai o primeiro.
A professora Vera, nossa lindíssima, professora de Físico-química, insistentemente (assim gostávamos de imaginar) repetia, a nosso pedido, a experiência de criação de electricidade estática através da fricção de um tubo de ensaio com um pano. Qualquer tema que fizesse tangente com a electricidade era desculpa para lhe pedirmos que repetisse a dita experiência.
- Ora vamos lá a corrigir os exercícios que mandei fazer em casa. Agostinho, leia lá o primeiro.
- Ó senhora, eu não fiz. Ontem faltou a electricidade lá em casa.
Um de nós aproveitava a deixa e imediatamente - Ó senhora professora, faça lá a experiência da electricidade, vá lá!
- Não, não! Estamos fartos de fazer essa experiência.
- Não estamos, senhora professora! – Diziam os rapazes todos entusiasmados enquanto as raparigas torciam a cara com nojo, com aquele ar de quem diz, fogo, estes gajos não pensam noutra coisa. Num momento já o Luís Óscar estava ao pé da secretária da professora com uma mãozinha de papelinhos rasgados que espalhava sobre o tampo.
Com alguma regularidade lá a Sr.ª professora Vera sucumbia aos nossos uivos hormonais e repetia a experiência.
Na minha memória esta sequência de imagens acontece sempre em câmara lenta. Mas lembro-me perfeitamente de como abria com cuidado, como quem nos retirava a roupa, a gaveta aonde, como por obra e graça do espírito santo, lá esperava hirto e firme o tubo de ensaio e o pano de veludo cor de sangue coagulado. Ela olhava para dentro da gaveta e enfiava a sua mão, gentil e esguia, gaveta a dentro, como quem mete uma mão, com cuidado mas com vontade, dentro de uma cueca e de lá saía com o tubo de ensaio em riste como se tratasse de uma jóia ou prémio. Com o pano na mão direita e o tubo na mão esquerda começava então a sessão de friccionamento. A cada passagem do pano o tubo reflectia o brilho das luzes da sala de aula, que se encontrava em absoluto silêncio excepto o cair de uma cabeça de uma das raparigas sobre os seus braços a fingir adormecimento ou o estalido de uma boca babada de um dos rapazes, a cair aberta. Ás vezes tinha a impressão de que me olhava nos olhos durante o processo, mas nunca tive a coragem de não desviar o olhar. Ao fim de um tempo, que melhor exemplificava a teoria da relatividade, por tão curto quanto longo, e por entre explicações cientificas que eu não ouvia, a professora aproximava o tubo, agora excitado, dos papelinhos espalhados e a força da electricidade estática arrastava-os de encontro ao vidro quente. Os nossos olhos seguiam os papelinhos testemunhando, de vez enquanto, a emissão de uns relâmpagos pequeninos que estalavam, a partir do tubo. O meu corpo, algumas partes em especial, também sentia esta atracção que requeria uma concentração e uma mão firme agarrada à secretária para não se perder o controlo, não fosse a professora de seguida chamar-nos ao quadro.
O tubo de ensaio era então guardado, milagrosamente firmo, hirto e agora também reluzente, até uma próxima “noite de núpcias”. O resto da aula decorria num ambiente calmo e relaxado, excepto para quem se sentava ao lado da Marta (nome fictício). Cá fora no fim da aula as raparigas não nos falavam, estávamos no fim da idade em que isso ainda não nos fazia muito diferença. Entre nós fazíamos os comentários mais absurdos.
- Hoje ela esteve sempre a olhar para mim. – dizia o Luís Óscar, o machão da turma.
- Para a próxima sou eu que me sento na carteira da Marta. – dizia uns dos não contemplados.
Se bem me lembro, O Luís Óscar, o Miguel Constância, o Saul, o Arthur Almeida Lima e eu, ainda nesse ano, lançamos um jornaleco no Liceu com o nome de “primaVERA” em homenagem à dita cuja musa, título da imaginação do Luís Óscar que nos dava sempre a entender que tinha um caso secreto com a professora, mas foi projecto de pouca duração estática.
Não sei se aquilo que aqui vos conto é verdade. Tenho a certeza, no entanto, de que é assim de que me lembro.