segunda-feira, abril 26

TV 25 de Abril de 2004



Finalmente a RTP (Canal 1 e a:2...entenda-se) prestou um dignificante serviço público com ampla e extensa programação dedicada ao 25 de Abril. Entre o zapping do canal 1 para o canal : 2 o menu de escolhas era vasto. Destaque para o duelo «Soares versus Cunhal» que veio confirmar que os duelos não estão demodée e que a flama das ideologias ainda não se extinguiu. Resumindo o encontro de titãs, e escoada a espuma revolucionária, pasmei ante um anquilosado Álvaro Cunhal que à data já era uma cassete ambulante. Do lado esquerdo do ecrã (curiosa posição) lá estava Mário Soares com uma prestação memorável e uma perspectiva Europeia e Democrática, em manifesto contraponto ao comissário da ditadura do proletariado que apenas regurgitava ser necessário aprofundar e cumprir Abril. Este era para o PCP, como se sabe, o Abril da democracia popular decalcada em franchising de origem bolchevique.

Confesso que, mesmo em diferido e 30 anos depois, o debate veio confirmar que Cunhal sempre foi obsoleto e cedo se tornou numa relíquia iconográfica para exibir no palco da festa do Avante! Do lado oposto da trincheira Mário Soares tinha um discurso de modernidade e de ligação à Europa. Afinal o que separa e separava ambos os camaradas de Abril é que um deles nunca foi Democrata. Da reedição remasterizada do debate emerge um Mário Soares rejuvenescido e com aquela garra que, como se sabe, é também responsável pela luminosa movimentação popular que enterrou os ímpetos de Cunhal em tomar o poder. Uma nota curiosa a reter do debate foi quando Mário Soares, em tom sério e solene, avisava Portugal de que o radicalismo de esquerda arrastava a Nação para um fosso, e que nesse vórtice não seguiriam o mesmo rumo os Açores e a Madeira, porventura preferindo estes a Independência à cubanização do País...Outros diriam indignados, «Olhe que não, Olhe que não !».

Se algumas destas figuras de Abril apenas aparecem de quando em vez em filmes de época, outras há, que por força do ritual das comemorações institucionais, temos que aturar recorrentemente. Paradigma desses cromos de má memória é Otelo Saraiva de Carvalho. Ainda ontem, vi um documentário em que este «herói» de Abril, com a habitual pose displicente, lá ia percorrendo a paixão da noite de 24 para 25 de Abril de 1974. A criatura tem desmesurada apreciação de si próprio, de tal modo que em discurso directo dizia que jamais sonhara derrubar a ditadura, ao invés a sua ambição de juventude era ter sido actor de cinema, ter frequentado o Actor´s Studio de Nova Iorque(!) ou quiçá especializar-se em Shakespeare (sic!).

Quis o destino que fosse oscarizado como herói de Abril e, posteriormente, «avençado» da RTP para anualmente perpetuar as memórias do posto de comando... e que eu saiba a sua carreira cinematográfica quedou-se por um vídeo clip porno soft, sem qualquer sexappeal, em que marmelava com a «liberdade» num leito de cravos.

O que nos vale é que o «25 de Abril» é também liberdade de rir e satirizar, como desde cedo o fez José Vilhena, cuja «Gaiola Aberta» circulava com prudência por ser tão despudorada...enfim sinais dos tempos.

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