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Jenny Saville por Jake Chessum (1)
"Uso o meu corpo como um objecto de atrezzo.
É como se me emprestasse o corpo a mim mesma.
Assim a carne converte-se em algo semelhente a um material."
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Tenho com a Arte uma relação visceral e nada conceptual. Odeio vernissages desde logo pela elevada probabilidade de entremear o croquete da praxe com o artificialismo da crítica de Arte sempre lesta a racionalizar a obra perante o espectador. Ademais, a qualidade do vinho branco que nos servem em tais areópagos é assaz medíocre. Bem sei que estes ajuntamentos da socialite da cultura não são concorrenciais a qualquer Chardonnay Challenge mas também não há forretice que justifique as zurrapas que habitualmente circulam nestes meios. Esta minha idiossincrasia não significa que não escute o dernier cri das artes plásticas cá do burgo ou que não receba o eco do que por esse mundo fora existe à distância de um click.
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Recentemente, com o delay que justificamos com a expiatória insularidade, descobri o trabalho de Jenny Saville. Esta Artista contemporânea criou um acervo monumental de uma obra que será, literalmente, uma das grandes referências do final do Século XX e também de parte do novo milénio, dado que Saville ainda não passou a curva descendente dos "quarenta". Jenny Saville, nasceu em Cambridge no ano de 1970, integra o movimento Young British Artists e tem vasta formação cuja base assentou na Glasgow School of Art, na Universidade de Cincinnati no Ohio e, finalmente, mas não menos relevante, na Slade School of Art em Londres por onde passaram artistas tão díspares como Chesterton e Paula Rego ! Mas, Saville afirma que o "turning point" da sua carreira ocorreu na Universidade de Cincinnati quando se cruzou com mulheres monumentais, hiper-obesas, vagueando pelo campus Universitário em shorts e t-shirts que não escondiam a obscenidade da sua carne.
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TORSO 2
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No final da pós-graduação na Slade, o trabalho de Jenny Saville é revelado a Charles Saatchi, um dos mais influentes coleccionadores de arte do Reino Unido, que logo comissariou trabalhos a Saville durante 2 anos. Com este mecenato Jenny Saville aproveitou os fundos da bolsa de Saatchi para pesquisar, recolher e documentar a matéria-prima que iria dissecar nos seus trabalhos. Acompanhou cirurgias plásticas e reconstrutivas, estudou anatomia e interrogou os mestres do bisturi para lhes captar a arte do ofício e treinar a mão para os seus trabalhos nos quais, com a espátula e o pincel, vai esculpir e cinzelar a carnalidade dos seus fantasmas. As personagens, os temas e os espectros da sua arte seriam escalpelizados retratando a condição das vítimas, dos traumatizados, das deformidades e respectivas correcções plásticas, culminando numa série de retratos de transexuais que, na busca de uma identidade, encontram um bizarro terceiro género.
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REVERSE (2)
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Apesar do seu trabalho estar arrumado no movimento conceptual da escola Young British Artists a marca de Saville recorre ao classicismo da pintura a óleo. A monumentalidade dos seus quadros é também uma marca da arte de Saville que pinta, geralmente, numa escala bigger than life size.
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SHIFT
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Jenny Saville pinta em escalas gigantescas retratando paisagens corpóreas que ora evocam a celebração das imagens de fertilidade cristalizadas, por exemplo, na Vénus de Willendorf, ora apresentam uma reminiscência distorcida do arquétipo do nú Barroco. Alguns quadros são autênticas esculturas a tinta de óleo com uma imponência que enche qualquer galeria. De tal forma é essa a sua obsessão que é assim que se revê no óleo do seu auto-retrato cuja arte, porém, não imita a realidade da própria Artista.
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SELF-PORTRAIT
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Jenny Saville é uma iconoclasta numa sociedade martirizada pelo culto do corpo desenhado sob as quimeras prometidas pela Corporación Dermoestética. Numa civilização obcecada com a aparência física Saville é o lado B de uma sociedade que não se revê no espelho das imagens de marca da publicidade mainstream. Ao contrário desta tendência a Artista esculpe retratos intimistas, numa escala gigantesca, exibindo o corpo humano como objecto que pode ser moldado até ao limite, por exemplo, de uma obesidade que é hoje obscena. Tal audácia mereceu basta controvérsia social. O verniz da beatice da cultura estalou depois da exposição "Sensation" que, inclusivamente, teve promessas e tentativas de vandalização das suas obras. As mesmas que foram expostas mais tarde no Brooklyn Museum of Art apesar do protesto do Mayor Rudy Giuliani ! Polémicas à parte afinal de contas o trabalho de Saville tem o classicismo do retrato a óleo e a dimensão personalista que faz do corpo humano o centro das suas obsessões que pinta à dimensão de um outdoor publicitário. Jenny Saville cuidou de compreender o corpo, nomeadamente, através da anatomia e da cirurgia, para depois o moldar em retratos de intimidade consentida e partilhada. Há poucos Humanistas deste calibre no admirável mundo da Arte contemporânea. Terá pois lugar seguramente garantido nos futuros tratados de História da Arte.
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HYPHEN
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(1) foto numa cortesia do Vitor Marques
Jenny Saville por Jake Chessum (1)
"Uso o meu corpo como um objecto de atrezzo.
É como se me emprestasse o corpo a mim mesma.
Assim a carne converte-se em algo semelhente a um material."
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Tenho com a Arte uma relação visceral e nada conceptual. Odeio vernissages desde logo pela elevada probabilidade de entremear o croquete da praxe com o artificialismo da crítica de Arte sempre lesta a racionalizar a obra perante o espectador. Ademais, a qualidade do vinho branco que nos servem em tais areópagos é assaz medíocre. Bem sei que estes ajuntamentos da socialite da cultura não são concorrenciais a qualquer Chardonnay Challenge mas também não há forretice que justifique as zurrapas que habitualmente circulam nestes meios. Esta minha idiossincrasia não significa que não escute o dernier cri das artes plásticas cá do burgo ou que não receba o eco do que por esse mundo fora existe à distância de um click.
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Recentemente, com o delay que justificamos com a expiatória insularidade, descobri o trabalho de Jenny Saville. Esta Artista contemporânea criou um acervo monumental de uma obra que será, literalmente, uma das grandes referências do final do Século XX e também de parte do novo milénio, dado que Saville ainda não passou a curva descendente dos "quarenta". Jenny Saville, nasceu em Cambridge no ano de 1970, integra o movimento Young British Artists e tem vasta formação cuja base assentou na Glasgow School of Art, na Universidade de Cincinnati no Ohio e, finalmente, mas não menos relevante, na Slade School of Art em Londres por onde passaram artistas tão díspares como Chesterton e Paula Rego ! Mas, Saville afirma que o "turning point" da sua carreira ocorreu na Universidade de Cincinnati quando se cruzou com mulheres monumentais, hiper-obesas, vagueando pelo campus Universitário em shorts e t-shirts que não escondiam a obscenidade da sua carne.
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TORSO 2
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No final da pós-graduação na Slade, o trabalho de Jenny Saville é revelado a Charles Saatchi, um dos mais influentes coleccionadores de arte do Reino Unido, que logo comissariou trabalhos a Saville durante 2 anos. Com este mecenato Jenny Saville aproveitou os fundos da bolsa de Saatchi para pesquisar, recolher e documentar a matéria-prima que iria dissecar nos seus trabalhos. Acompanhou cirurgias plásticas e reconstrutivas, estudou anatomia e interrogou os mestres do bisturi para lhes captar a arte do ofício e treinar a mão para os seus trabalhos nos quais, com a espátula e o pincel, vai esculpir e cinzelar a carnalidade dos seus fantasmas. As personagens, os temas e os espectros da sua arte seriam escalpelizados retratando a condição das vítimas, dos traumatizados, das deformidades e respectivas correcções plásticas, culminando numa série de retratos de transexuais que, na busca de uma identidade, encontram um bizarro terceiro género.
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REVERSE (2)
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Apesar do seu trabalho estar arrumado no movimento conceptual da escola Young British Artists a marca de Saville recorre ao classicismo da pintura a óleo. A monumentalidade dos seus quadros é também uma marca da arte de Saville que pinta, geralmente, numa escala bigger than life size.
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SHIFT
...
Jenny Saville pinta em escalas gigantescas retratando paisagens corpóreas que ora evocam a celebração das imagens de fertilidade cristalizadas, por exemplo, na Vénus de Willendorf, ora apresentam uma reminiscência distorcida do arquétipo do nú Barroco. Alguns quadros são autênticas esculturas a tinta de óleo com uma imponência que enche qualquer galeria. De tal forma é essa a sua obsessão que é assim que se revê no óleo do seu auto-retrato cuja arte, porém, não imita a realidade da própria Artista.
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SELF-PORTRAIT
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Jenny Saville é uma iconoclasta numa sociedade martirizada pelo culto do corpo desenhado sob as quimeras prometidas pela Corporación Dermoestética. Numa civilização obcecada com a aparência física Saville é o lado B de uma sociedade que não se revê no espelho das imagens de marca da publicidade mainstream. Ao contrário desta tendência a Artista esculpe retratos intimistas, numa escala gigantesca, exibindo o corpo humano como objecto que pode ser moldado até ao limite, por exemplo, de uma obesidade que é hoje obscena. Tal audácia mereceu basta controvérsia social. O verniz da beatice da cultura estalou depois da exposição "Sensation" que, inclusivamente, teve promessas e tentativas de vandalização das suas obras. As mesmas que foram expostas mais tarde no Brooklyn Museum of Art apesar do protesto do Mayor Rudy Giuliani ! Polémicas à parte afinal de contas o trabalho de Saville tem o classicismo do retrato a óleo e a dimensão personalista que faz do corpo humano o centro das suas obsessões que pinta à dimensão de um outdoor publicitário. Jenny Saville cuidou de compreender o corpo, nomeadamente, através da anatomia e da cirurgia, para depois o moldar em retratos de intimidade consentida e partilhada. Há poucos Humanistas deste calibre no admirável mundo da Arte contemporânea. Terá pois lugar seguramente garantido nos futuros tratados de História da Arte.
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HYPHEN
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(1) foto numa cortesia do Vitor Marques
(2) o magnetizante Reverse é o meu quadro favorito de Saville.
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