terça-feira, abril 22

O Congresso

Uma novela em três actos.



Entre amigos, comentamos este fim-de-semana, em tom de brincadeira, que a única maneira de tornar o Congresso do PS num tema digno de noticiário seria Cesar declarar a independência. Perdido entre a demissão de Luís Filipe Menezes e a visita presidencial à Madeira o XIII Congresso do PS Açores acabou, de facto, refém das cambalhotas social-democratas, principalmente as de Alberto João. Desde o pobre discurso de António Costa na sessão de abertura, até ao previsível discurso de Sócrates no encerramento, passando por um ou outro discurso de um ou outro militante, a Madeira acabou por ser, infelizmente, um tema recorrente ao longo dos três dias. E digo infelizmente porque havia muito mais para debater do que as dicotomias entre a autonomia de Jardim e a autonomia de Cesar. Só a título de exemplo, valia mais a pena discutir a estratégia eleitoral do Partido para Outubro; as propostas de Governo para os Açores; a importância comparada entre militantes e independentes; o futuro de Carlos Cesar e dos sucessores de Cesar; entre tantos outros assuntos. Não que não se tenha falado destes temas, na verdade falou-se, se bem que não de todos. Nem uma única vez Carlos Cesar se referiu ao seu último mandato e, em consonância, nem um único dos putativos sucessores se levantou.

Mas vamos por partes. Primeiro que tudo uma nota para a extrema eficácia e profissionalismo deste Congresso. Tecnicamente a mise en scéne estava perfeita e o programa foi estruturado por forma a que tudo se encadeasse sem sobressalto até aos hinos da praxe final. Quanto ao conteúdo a nota dominante foi governar os Açores por mais quatro anos, pelo menos. Cesar lançou o repto e o partido, desde os mais destacados dirigentes até às bases, interiorizou a importância de um Congresso pré-eleitoral e todos desempenharam o papel de um partido determinado em seguir em frente para a conquista de uma nova maioria. Mesmo a questão da tão propalada abertura do partido aos independentes foi tratada de forma mais ou menos subliminar tanto pelos a favor, como pelos contra. A este propósito vale a pena dizer o seguinte. Na minha opinião a questão da abertura do partido não é um assunto menor. É perfeitamente compreensível a posição de Carlos Cesar a este respeito, que utiliza a estratégia da abertura aos independentes como forma de conquistar uma sociedade açoriana historicamente conservadora e apartidária, ou até mesmo pouco democrática. Mas o problema está em que num tempo em que tanto é dito sobre a crise dos partidos e da militância esta estratégia apenas reforça os inúmeros clichés negativos que constantemente castigam quem está nos partidos. As declarações de Dionísio Sousa e de João San Bento podem ser excessivas, tanto na generalização como nas considerações que fazem sobre os independentes, mas a realidade é que quem faz viver os partidos são os seus militantes e a democracia é feita, e deve ser feita, se bem que não apenas, mas primeiramente, pelos partidos. A Cesar faltou um necessário e merecido discurso interno que apaziguasse e enaltecesse o papel digno e imprescindível dos militantes do seu partido em diversas áreas da sociedade e do processo político, desde o simples candidato a membro de uma assembleia de freguesia, até ao mais destacado vice-presidente e membro do secretariado regional, passando pelos inúmeros secretários coordenadores das secções. São estas pessoas que todos os dias dão a sua cara, o seu nome e muito das suas vidas, pela sobrevivência do partido e pela sustentabilidade da democracia. Tanto no PS como em todos os outros partidos.

Um segundo assunto candente, mas que não chegou ao púlpito e apenas se fez ouvir em burburinho pelos corredores, foi a sucessão de Cesar, com data ainda incerta, mas já com alguns potenciais candidatos. Desde os desejados, como Vasco Cordeiro. Aos que se impõem, como Sérgio Ávila. Passando pelos que aguardam, como José Contente, e os que espreitam como Ricardo Rodrigues. Pelos foyer e salas do Teatro Micaelense muito se falou sobre este assunto e se ninguém tem certezas sobre o que por aí virá uma das palavras que mais se repetiu sobre o assunto foi "sangue". Tudo ainda está indefinido e o único que guarda todos os ases é o próprio Carlos Cesar. Por agora, todas as peças do xadrez permanecem impávidas. E por isso mesmo o Congresso foi um estrondoso sucesso para Carlos Cesar. Tudo se centrou na imagem que foi projectada para fora. Inclusive a participação do Primeiro-ministro que trouxe os bolsos cheios de elogios e pouco mais. A designação estudada de "autonomia responsável" aliada ao slogan de "uma nova ambição para os Açores" enquadram o rumo dos próximos meses na senda das eleições e, no fundo, é aí que tudo se vai jogar: nas listas para o parlamento regional, na composição do próximo governo e no frenético imaginar de jogadas nos meses que se seguirão até às eleições europeias, legislativas e autárquicas, e tudo o que se vai planear até lá. Assim se fez um Congresso feito para ganhar eleições. Quem quiser utopias que procure noutro lado.

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