quinta-feira, março 1

É preciso ter lata !

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O arriar da última bandeira
Mansôa - Guiné-Bissau
9 de Setembro de 1974

Refastelado no areópago dos opinion makers do Portugal Televisivo vi ontem um aposentado Almeida Santos na "Quadratura do Círculo" da Sic Notícias. Como se sabe este brainstorming semanal é um dos indispensáveis programas da nossa lusa Televisão. Porém, o formato de ontem, nas Tertúlias do Casino, resvalou para os delírios geriátricos do Dr. Almeida Santos. A dado passo o ilustre convidado foi desvelando a sua verdade sobre a descolonização. Em jeito de prólogo disse que não há culpados no processo de descolonização mas apenas uma vaga e difusa culpa nacional imputável à colonização. Depois lá disse que Portugal, por força da ideologia dominante, no Ultramar envolveu-se numa "bravata militar" (sic !) sem qualquer prognose favorável à vitória. (Esqueceu convenientemente, como bem lembrou o residente Lobo Xavier, que a 1ª República propalava uma ideologia proteccionista das suas colónias ultramarinas).
Finalmente, em sinopse conclusiva, disse que não se mostrava particularmente impressionado com o número de estropiados e mortos no Ultramar, até porque o cômputo geral das baixas da "guerra colonial" ficava aquém da estatística da sinistralidade rodoviária Portuguesa nos últimos dez anos. Uma boutade, entre outras, que passou ao largo dos sapientes comentadores que, porventura, não quiseram afrontar este ancião da nossa República. Mas, em bom rigor não há razão para espanto pois foi com Senadores deste calibre que se fez esta República pós 25 de Abril. Bem sei que a Democracia tem essa virtude inegociável da liberdade de expressão, mas não deveria o decoro e o sentido de Estado honrar as vidas daqueles que, voluntária ou compulsivamente, serviram a Pátria ? Afinal de contas é a mesma Pátria Ultramarina, do Minho a Timor, que tão bem e oportunamente serviu o Dr. Almeida Santos e os seus próceres ! Comparar o sacrifício dos nossos militares e civis no Ultramar à estatística da sinistralidade rodoviária da última década é, simultaneamente, uma desdita e uma ofensa à memória de quem deu o melhor que tinha à sua Pátria alijando a vida de quem também serviu os Almeida Santos deste País. Em bom Português, suave, é caso para dizer : é preciso ter lata.
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posted by João Nuno Almeida e Sousa

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