domingo, março 11
Madrid me mata
....porque íbamos todos en ese tren.
LUSITANIA EXPRESSO
A primeira vez que saí sozinho
de Portugal
senti em Atocha um chão seguro sob os pés.
O andén número 2
onde encostava o comboio proveniente de Santa Apolónia
tinha a dignidade par
das chegadas internacionais.
Madrid, ainda mal desperta da noite franquista
recebia-nos envolta no fumo matinal dos churros fritos
dos Ducados
acesos
a seguir ao mata bicho
com um carajillo de conhaque
Osborne.
A velha estação de Atocha
e o seu perfume a classe operária
anunciava aos forasteiros
que havia outras Espanhas para além dos filmes da Marisol.
Tudo isto se passou há algum tempo
mas já então o homem fardado
de "ABC" aberto
sobre o balcão das bagagens
recusou-se a receber a minha mochila
para eu desfrutar
com outra leveza
Francisco Goya y Lucientes
nas galerias do Prado.
ETA, no
disse ele
por palavras e gestos
que não me atrevi a contestar.
Anteontem ao acordar
os "Desastres" de Goya apareceram-me de novo
em directo no Euronews:
corpos desmembrados por força da miséria humana
e o sangue vermelho da Espanha de Arrabal
espalhado sobre os carris
reluzindo ao sol frio das primeiras horas da manhã.
Lembrei-me das cores da movida
e de como a alegria se tornou um serviço público
decretado pelo Alcaide Tierno Galván.
Madrid me mata
mote dessa cidade em festa
ecoa hoje de forma macabra na memória de quem por lá andou.
Recordei o calor ruidoso dos tascos da glorieta
aquele perpétuo movimento
das chegadas e partidas
as rubias de voz rouca
e rabos de cavalo
com perfume a Heno de Pravia.
Não há bomba que dê cabo do salero
eu sei
mas é uma porra
que a fronteira dessa antiga guerra
tenha rebentado outra vez pelas costuras
logo no centro geométrico da Península.
E eu para aqui tão longe
no meio do mar
sem comboio que me leve
de volta ao princípio.
De volta à cama
desfeita
e ao teu corpo morno
por momentos
em Atocha.
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