"As Furnas são o teatro das mais recentes revoluções, afirmava em 1857, um visitante estrangeiro (1); "A Sintra pitoresca de S. Miguel, com menos arte e mais natureza"! (2) Desde o momento em que foi descoberto, o vale das Furnas constitui-se no cenário privilegiado para a suscitação de visões estético-culturais. Ao "paraíso terreal" descrito por Gaspar Frutuoso, no século XVI, os frades eremitas opunham o seu "deserto" místico, e o século XVIII sobrepunha uma outra visão divergente: aos olhos dos viajantes naturalistas, este era o lugar mais pitoresco da ilha, enquanto que para o liberalismo classicizante dos autores portugueses era ainda "a Arcádia dos Açores" (3). Ao século XIX, no entanto, caberá a exploração mais fecunda da via do pitoresco, concretizado e categorizado em obras de paisagem.
A "Cintra de S. Miguel" - onde "aos Domingos os empregados públicos e comerciantes vão passar um agradável dia, e estrangeiro algum deixa de visitar" (4) -, não possuía estações arqueológicas, palácios reais, igrejas medievais ou quintas renascentistas. A sensibilidade apaixonada por este vale consome-se exclusivamente na "profusão imensa das variadas paisagens" que o tornam "pitoresco e romântico" (5)
É desta aliança entre o "aprazível" e o "assombroso", de contraste e variabilidade de "scenas amenas e grandiosas" (6), que nasce o sentimento do pitoresco, aqui sem evocações românticas do passado, sem idealizações arquitectónicas de gosto revivalista e sem a promoção de restauro de monumentos. As operações que tornam o vale das Furnas no "teatro das mais recentes revoluções", são a resultante colectiva de um olhar embevecido sobre a natureza. Neste sentido, muito mais do que a Sintra, são aos lagos e montanhas da Suíça que se vão buscar imagens homólogas. "O Vale, à primeira vista, parece estranhamente familiar pela sua parecença com muitos vales Suíços", comentava o professor Wyville Thomson, manifestando uma opinião muito difundida. Um certo "ar de família" com as paisagens alpestres, a que se alia "a riqueza da flora tropical", servirá de referência e suporte ao programa construtivo implementado no vale.
Foi em atenção às possibilidades pitorescas do vale, que Thomas Hickling havia construído, em finais de Setembro, o seu Tanque. Foi por causa dessse pitoresco, que alguns altos dignatários da corte se dirigiram ao vale para aí estanciarem na "estação calmosa", e que outros os imitaram, fazendo das Furnas a principal estância de veraneio dos Açores. "Vive-se um clima de progresso!", afirmava com entusiasmo Thomas Hickling Jr., em 1848, acrescentando com optimismo que "as Furnas fervilham de veraneantes e estão destinadas a serem uma estância importante para estrangeiros"(7)"
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Isabel Soares de Albergaria
"Quintas, Jardins e Parques da Ilha de São Miguel"
Quetzal Editores - 2000
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Notas :
1Artur Morelet, Iles Açores. 1860, p. 29
2Emídio da Silva, depois de tecer elogios ao vale das Furnas, compara-o a Sintra dizendo que "se Cintra lhe sobreleva muito em arte, fica-lhe aquém em belezas naturais".
3Cf. Sena Freitas.
4Guilherme Read Cabral.
5Assim lhe chama Sena Freitas.
6Sena Freitas
7Carta de Thomas Hickling Jr., "Insulana", Vol XX, n.º 2 (1995), pp 193-194
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posted by João Nuno Almeida e Sousa
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