segunda-feira, março 26

O que fazer com Salazar?

Era por demais previsível este desfecho para esse disparatado concurso televisivo chamado Os Grandes Portugueses. Não só pela exclusão inicial do ditador da lista dos candidatos, como por toda a polémica que se gerou em torno do programa, como ainda pela campanha publicitária promovida pela RTP, em que de forma emotiva e maniqueísta se apelava às qualidades e defeitos das personagens. Tanto pediram que conseguiram: ganhou Salazar. É claro que cada uma das pessoas que se deu ao trabalho de telefonar para dar o seu voto terá a sua motivação para o fazer e esse não me parece ser agora o dado mais importante de analisar. Foi por protesto, foi por vontade, foi por gozo... O facto é que o Portugal contemporâneo está confrontado com a realidade de na arena mediática António Oliveira Salazar ter sido eleito o nosso Maior, logo seguido por Álvaro Cunhal. O que é que isto diz de nós? Será que é apenas um problema de falta de cultura, será que foi o sistema de ensino que falhou, falhou a própria história que quis apagar o ditador dos manuais, será que é o próprio povo que gosta de ser subjugado? Alguns dirão que isto não importa nada, é apenas um concurso televisivo com uns míseros 210 000 votos, por telefone, nada de embandeirar em arco, o importante é pôr as coisas no seu devido lugar. Pela minha parte opto por perceber que há aqui um sinal, mais um, da mentalidade de um povo que é demasiado letárgico para acreditar em si mesmo. A Liberdade e a Democracia são valores primordiais, mas são valores exigentes, que requerem um trabalho constante de construção e manutenção. As ameaças a estes valores são muitas nos tempos que correm. A televisão é um dos maiores instrumentos de propaganda e de doutrinamento que a humanidade alguma vez criou. Se as mensagens transmitidas pela televisão não forem explicadas e comentadas na praça pública corremos ao risco de ser governados por ela. A Liberdade e a Democracia são demasiado frágeis para permitir que um ditador, mesmo que morto, seja eleito o nosso melhor. O Salazar tirânico, déspota, assassino, defensor da censura política e ideológica, torturador e exilador, tem que ser contado para que nunca surja outro como ele.

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