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O projecto de lei do Dr. Mota Amaral para o Estatuto do Representante da República cobriu-me de vergonha enquanto militante do PSD/Açores e, sobretudo, enquanto Açoriano. Desde logo, à margem do mérito ou demérito da proposta, é ponto assente que o timing desta iniciativa legislativa foi um despropósito. Se juntarmos a esta circunstância a autoria do projecto de lei era de mediana evidência que se especularia sobre a possibilidade de se ter encomendado um estatuto à medida de Mota Amaral. Tanto se especulou que o próprio Mota Amaral, vítima das circunstâncias que ele próprio engendrou, veio a público, em letra de forma, asseverar que nunca aceitaria ser Ministro da República ou Representante da República para qualquer uma das Regiões Autónomas. Contudo, a avaliar pelas reacções expressas até à garantia de renúncia a tão honroso lugar, o inverso também seria uma dolorosa verdade.
Dolorosa é também a circunstância deste projecto de lei emergir como acto de vontade unilateral da exclusiva responsabilidade e iniciativa do deputado Mota Amaral. Com efeito, matéria deste melindre deveria, pelo menos, ter sido alvo de uma proposta conjunta dos deputados Açorianos com assento na Assembleia da República. Prudência e bom senso recomendariam uma plataforma comum de entendimento entre o PS e o PSD, ao invés de se avançar à revelia de um pacto institucional com uma proposta pessoal.
Li e reli com assombro o texto da controversa proposta para o estatuto do "mestre-de-cerimónias" da República nos Açores e na Madeira. Conhecida a austeridade e o repúdio pelo despesismo como predicados de Mota Amaral consequentemente também causa perplexidade nesta proposta a desmesura de estadão que se pretende para uma figura institucionalmente sinistra. Como se não fosse suficiente um vencimento próximo do de Presidente da República, mais as respectivas alcavalas legais, a proposta sugere ainda ajudas de custos idênticas às do Primeiro-Ministro, viaturas oficiais na circunscrição territorial da respectiva região Autónoma e também no território continental da República, e para rematar, pasme-se, quatro solarengas casas de função equitativamente distribuídas entre a Terceira e São Miguel ! Honrarias deste calibre só se compreendem para um estatuto cardinalício de "núncio" da República que, além do que antecede, compreende ainda o poder de dirigir "recados" à Assembleia Legislativa, visar por decreto a nomeação e exoneração do Presidente e dos membros do Governo Regional, possuir precedência protocolar presidindo na Região a todas as cerimónias, civis ou militares em que estiver presente e até assegurar na respectiva região Autónoma a execução do estado de sítio e de emergência! Note-se que todo este "package" de prerrogativas é proposto de "série" para um cargo que nem sequer é de eleição, mas deriva de um acto de nomeação política.
Mas, a cereja no topo do bolo é o art.º 16º do projecto de lei que literalmente prevê "honras equivalentes ao Presidente da República", permitindo ao Representante da República ser saudado, sempre que a tal haja lugar, com ou sem filarmónica, com a execução do Hino Nacional. Finalmente, mas não menos relevante, como também já vai longe a "guerra das bandeiras" que, como se sabe, em tempos idos opôs Mota Amaral aos esbirros do centralismo, presume-se ainda no projecto de lei que ninguém leva a mal que o Ministro da República do Sec. XXI também tenha a sua "bandeirinha", sendo o respectivo pavilhão de cor verde com as armas nacionais ao centro e uma aspa em prata no caso dos Açores e uma de oiro no caso da Madeira! Razão tinha afinal Karl Marx quando vaticinou que a História, a repetir-se, transfigurar-se-ia numa farsa, o que com toda a propriedade, mutatis mutandis, assenta que nem uma luva neste tragicómico "porta-estandarte" da República nas Regiões Autónomas idealizado por Mota Amaral.
Em suma : se este projecto de lei foi a última tentação de Mota Amaral no tabuleiro do xadrez político Açoriano mais valia que tivesse recuperado os pergaminhos que clamavam pela extinção incondicional da figura do "guarda republicano" para os Açorianos e Madeirenses. Com esta proposta de estatuto para o Representante da República o Dr. Mota Amaral não perderá por certo o seu prestígio que a todos nós nos honra, mas não é menos verdade que perde a desejada popularidade entre nós. Mas isto já não deverá ser motivo de assomo, afinal nunca devemos regressar ao lugar onde já fomos felizes. Acresce que, no caso de Mota Amaral, o regresso à política Açoriana seria um retrocesso para quem exerceu com notável dignidade o cargo de Presidente da Assembleia da República e constou inclusivamente da short list de Presidenciáveis. Logo, não havia necessidade de juntar esta infeliz proposta a tão lustroso currículo.
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JNAS na Edição de 21 de Fevereiro do Jornal dos Açores
Dolorosa é também a circunstância deste projecto de lei emergir como acto de vontade unilateral da exclusiva responsabilidade e iniciativa do deputado Mota Amaral. Com efeito, matéria deste melindre deveria, pelo menos, ter sido alvo de uma proposta conjunta dos deputados Açorianos com assento na Assembleia da República. Prudência e bom senso recomendariam uma plataforma comum de entendimento entre o PS e o PSD, ao invés de se avançar à revelia de um pacto institucional com uma proposta pessoal.
Li e reli com assombro o texto da controversa proposta para o estatuto do "mestre-de-cerimónias" da República nos Açores e na Madeira. Conhecida a austeridade e o repúdio pelo despesismo como predicados de Mota Amaral consequentemente também causa perplexidade nesta proposta a desmesura de estadão que se pretende para uma figura institucionalmente sinistra. Como se não fosse suficiente um vencimento próximo do de Presidente da República, mais as respectivas alcavalas legais, a proposta sugere ainda ajudas de custos idênticas às do Primeiro-Ministro, viaturas oficiais na circunscrição territorial da respectiva região Autónoma e também no território continental da República, e para rematar, pasme-se, quatro solarengas casas de função equitativamente distribuídas entre a Terceira e São Miguel ! Honrarias deste calibre só se compreendem para um estatuto cardinalício de "núncio" da República que, além do que antecede, compreende ainda o poder de dirigir "recados" à Assembleia Legislativa, visar por decreto a nomeação e exoneração do Presidente e dos membros do Governo Regional, possuir precedência protocolar presidindo na Região a todas as cerimónias, civis ou militares em que estiver presente e até assegurar na respectiva região Autónoma a execução do estado de sítio e de emergência! Note-se que todo este "package" de prerrogativas é proposto de "série" para um cargo que nem sequer é de eleição, mas deriva de um acto de nomeação política.
Mas, a cereja no topo do bolo é o art.º 16º do projecto de lei que literalmente prevê "honras equivalentes ao Presidente da República", permitindo ao Representante da República ser saudado, sempre que a tal haja lugar, com ou sem filarmónica, com a execução do Hino Nacional. Finalmente, mas não menos relevante, como também já vai longe a "guerra das bandeiras" que, como se sabe, em tempos idos opôs Mota Amaral aos esbirros do centralismo, presume-se ainda no projecto de lei que ninguém leva a mal que o Ministro da República do Sec. XXI também tenha a sua "bandeirinha", sendo o respectivo pavilhão de cor verde com as armas nacionais ao centro e uma aspa em prata no caso dos Açores e uma de oiro no caso da Madeira! Razão tinha afinal Karl Marx quando vaticinou que a História, a repetir-se, transfigurar-se-ia numa farsa, o que com toda a propriedade, mutatis mutandis, assenta que nem uma luva neste tragicómico "porta-estandarte" da República nas Regiões Autónomas idealizado por Mota Amaral.
Em suma : se este projecto de lei foi a última tentação de Mota Amaral no tabuleiro do xadrez político Açoriano mais valia que tivesse recuperado os pergaminhos que clamavam pela extinção incondicional da figura do "guarda republicano" para os Açorianos e Madeirenses. Com esta proposta de estatuto para o Representante da República o Dr. Mota Amaral não perderá por certo o seu prestígio que a todos nós nos honra, mas não é menos verdade que perde a desejada popularidade entre nós. Mas isto já não deverá ser motivo de assomo, afinal nunca devemos regressar ao lugar onde já fomos felizes. Acresce que, no caso de Mota Amaral, o regresso à política Açoriana seria um retrocesso para quem exerceu com notável dignidade o cargo de Presidente da Assembleia da República e constou inclusivamente da short list de Presidenciáveis. Logo, não havia necessidade de juntar esta infeliz proposta a tão lustroso currículo.
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JNAS na Edição de 21 de Fevereiro do Jornal dos Açores
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