segunda-feira, junho 20

O PARLAMENTO DE CÉSAR

Ao arrepio da grande massa de Açorianos os nossos excelsos parlamentares vão a banhos mais cedo. Assim, a Sessão de Junho da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores decorreu numa modorra morna antecipando já a canícula do Verão que para a maioria dos eleitores só chega em Agosto.

Apesar das vicissitudes meteorológicas pouco favoráveis a desgastantes tarefas de bancada parlamentar houve tempo e labor para cumprir a agenda da nossa Assembleia. Nesse âmbito destaque para os profusos votos de congratulação, protesto e pesar, todos eles, como se imagina, com inegáveis refracções na vida do comum dos cidadãos destas Ilhas. Do extenso catálogo destacam-se os merecidos votos de congratulação pela abertura do Centro Cultural da Caloura (ou Castelo Centro Cultural, vulgo CCC), o voto de regozijo pela nomeação de António Guterres para o prestigiante cargo de Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (matéria na qual o nomeado tem experiência própria quando teve que se refugiar do seu próprio Governo), ou ainda o estultificante voto de satisfação pelo 50º Aniversário do Grupo Folclórico de São Miguel (bem a propósito, pois em tempos de crise nada como um bailarico para «animar a malta».). Para compensar algum pendor elitista a Assembleia ainda fez passar alguns votos de congratulação para deleite das massas, como por exemplo, o voto de congratulação pela subida do Candelária Sport Clube à I Divisão Nacional de Hóquei em Patins, ou o voto de congratulação pela subida do Futebol Clube da Madalena ao Campeonato de Futebol da II Série B (duplo!).

Dolosamente omitimos os votos de protesto e de pesar pois já lá diz o jargão popular que tristezas não pagam dívidas e estas acumulam-se sozinhas em tempos de crise.

Mas, esta poeira do acessório desvia a nossa atenção do principal, e em sede de medidas de fundo a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores tem patenteado um modus operandi constrangedor. Na verdade, o areópago da nossa classe política tem servido apenas para justificar formalmente as medidas do Governo Regional. De modo hábil fica a aparência de que neste fórum de poder tudo se debate e discute, sempre com elevada participação cívica, o que se promove e aceita, desde que, se vote favoravelmente em sentido único as iniciativas de mérito... as do Governo claro está. Sintomático deste entorpecimento parlamentar é o caso da rejeição da proposta do PSD para a indemnização pelos danos causados pelos «galgamentos» do mar na Ilha do Pico. Sendo certo que as prioridades de investimento parecem canalizadas para o majestoso projecto das Portas do Mar, não é menos certo que não havia necessidade de «chumbar» uma proposta que tinha a virtude de desafogar financeiramente quem viu o mar entrar portas dentro!

Nesta sessão de Junho da Assembleia Legislativa Regional ficou também límpida e cristalina como água a forma como o Governo Regional dos Açores pretende relacionar-se com o poder Local. Essa relação não será por certo de pura e imaculada solidariedade, porquanto, numa entorse ao primado da subsidiariedade oneram-se as autarquias locais com atribuições e competências sem a respectiva guarnição de recursos humanos, patrimoniais e, sobretudo, financeiros. Paradigma dessa nova orientação Socialista é o caso do regime jurídico do planeamento, protecção e segurança das construções escolares que, sobrecarrega desproporcionalmente os Municípios da Região Autónoma dos Açores. Este extenso diploma transfere para o património municipal «com dispensa de qualquer formalidade» (sic) todos os estabelecimentos da educação pré-escolar e do 1º ciclo do ensino básico, sem contudo transferir ao mesmo tempo o indispensável «envelope» financeiro para apoiar a titânica tarefa de manter, reparar, ordenar ou planear a referida rede escolar. Ora, conhecida a escassez e míngua dos fundos do PRODESA de 99, arquitectados para uma outra realidade que não esta, é de mediana inteligência adivinhar que os apoios a conceder serão escalonados de modo politicamente discricionário.

Assim, umas escolas vão merecer maior atenção do que outras, não em função da consigna «a cada um de acordo com as suas necessidades e a cada um de acordo com as suas possibilidades», mas sim em função de uma agenda política que servirá para calendarizar os eventuais contratos ARAAL que se façam.

Por estas e por outras é que Assembleia Legislativa Regional diz cada vez menos ao comum dos cidadãos destas ilhas e cada vez mais se assemelha com um pebliscitário Senado reverencialmente dominado por César.

JNAS na Edição de 21 de Junho do Jornal dos Açores

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