No texto de 13 de Fevereiro de 1928, O Açoriano e os Açores, preparado para uma conferência na Universidade de Coimbra e posteriormente publicado na revista A Águia, Vitorino Nemésio esboça uma caracterização da região e dos seus habitantes que toca todos os aspectos mais factuais (e já descritos nestes esquiços), a situação geográfica, o clima, a sismicidade, o povoamento, a história de dificuldades, o parco desenvolvimento económico, a indolência do povo, o isolamento, etc. Mas a descrição de Nemésio está de tal maneira trespassada por uma nostalgia literária que obriga a uma enorme cautela em quem o lê hoje, com distancia de quase um século. Nesse texto Nemésio glorifica o povo açoriano, baseado em impressões pessoais e, por isso mesmo, suspeitas e parciais. E Nemésio balança constantemente entre uma tentativa de autonomização do carácter açoriano da sua matriz portuguesa mas ao mesmo tempo vincado a inclusão do açoriano no todo português. É neste texto que Nemésio tenta uma definição de três grandes tipos - o Micaelense, o Picoense e o Terceirense - para descrever o açoriano. Mas por todo o texto há uma excessiva glorificação do açoriano que é absolutamente chocante.
O termo açorianidade surge em 1932 num texto da revista Insula publicado a propósito do V centenário do descobrimento dos açores. Nesse curto texto onde, mais uma vez, o determinismo geográfico é figura central da descrição do tipo açoriano, Nemésio tenta uma definição da sua consciência de ilhéu que na sua expressão radica em dois pontos fundamentais, a saber: o apega à terra e a grandeza do mar. Mas a frase essencial deste texto, e estranhamente a menos citada ao longo dos tempo é esta: "...a minha açorianidade subjacente que o desterro afina e exacerba." É portanto, e primordialmente, uma espécie de saudade inerente a quem está longe da sua terra, mas que não pode ser posta como sendo a alma de um povo. A açorianidade em Nemésio é, antes de mais, um rasgo poético. É uma criação quase instintiva do poeta, mas que carece de confirmação histórica, etnográfica, sociológica e, até mesmo, literária. Nemésio apropria-se, como todos os grandes criadores aliás, de um conceito estrangeiro e recria-o no contexto do arquipélago. Herdeiro de Unamuno que Nemésio conheceu e com quem se correspondeu durante a vida deste, o conceito de açorianidade é uma tentativa do poeta de expressar uma vontade pessoal, diria mesmo uma ambição literária, mas que não pode nunca ser entendida como uma verdade absoluta. Vou mais longe, existe muito mais verdade numa inclusão, por mais paradoxal que pareça, do povo dos açores no universo da hispanidade do que no da própria açorianidade. Lendo os textos de Nemésio sobre os Açores e a açorianidade fica-me uma sensação de profundo exagero nas palavras e visões por ele expressas. (A certa altura Nemésio faz uma comparação entre as Furnas e Yelowstone!) Muitas das análises são pessoais, por vezes infundamentadas, sempre poéticas, muitas vezes hiperbólicas. A açorianidade de Nemésio é um conceito profundamente marcado pelas correntes filosóficas e politicas do seu tempo, uma era de nacionalismos exacerbados, e com a mesma profundidade pela alma e espírito poético do próprio Vitorino Nemésio, se há ou não uma correspondência desse conceito na realidade dos povo das ilhas é uma questão que ainda carece de ser resolvida, mas eu sou levado a crer que não. E é o próprio Nemésio quem em todos os seus textos se contradiz pois recorrentemente refere o carácter português do açoriano.
Mas então porque é que este conceito repercute pelo abismo da história e é ainda hoje tão presente e polémico? Porque como todas as grandes invenções poéticas têm uma potência metafórica impressionante, quase como se Nemésio tivesse criado todo um povo que se esforça para ser como foi criado pelo poeta. No fundo os Açores e os açorianos lutam por realizar a visão de Nemésio. Essa luta está presente na literatura e na política. Lugares para onde quero ir a seguir.
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