Madrid é o meu castelo gótico. No topo de um morro, envolto em névoa, com relâmpagos flashando no escuro, silhuetas, uivos, Hitchcock. Madrid é o meu sonho literário, é a ideia que a minha avó me deixou do que era o meu avô, o seu mundo, a sua realidade, o seu discernimento. Madrid não é aquilo que eu vivi quando ai estive, Madrid é o que eu imagino. E assim o mundo, assim a vida. Assim a dor que é infligida em cada segundo, em cada alma do mundo. Assim a bomba que explode, a mãe que grita, o mártir que cala, morre, assim o poema que nasce, o homem que cava a terra e cultiva e faz nascer, assim o passar da história, o sangue dos homens, as lágrimas e os sorrisos, os momentos de exaustão, desistir, acordar, viver outro dia, igual. Não presumo poder expressar completamente aquilo que neste momento me apetece dizer. Seria presunção minha acreditar ser portador não só da verdade, mas e ainda mais, da eloquência necessária para verbalizar essa, esta, ou qualquer outra verdade. Porém como ligar palavras não é tarefa vã, nem inútil, nem inócua, atrevo-me a faze-lo e, audácia, a mostrá-lo ao mundo aqui para os olhos e as mentes de quem o desejar ler.
O Homem é a mais impressionante das criações, que me perdoe o Cosmos e a vastidão do Universo mas o pensamento e o amor humanos são o ponto mais alto da existência e é na capacidade humana de expressar este sentimentos que todos os milhares de átomos que compõem a vida encontram justificação.
Mas o Homem é, também, a mais horrível das criações. Desde o início, desde o Verbo, que não pertencemos aqui. No entanto damo-nos o direito de posse e de ocupação do espaço e do tempo, com tudo o que isso tem de demolidor. Desde o princípio da História que todos os conflitos e todas as catástrofes se basearam na falsa noção que os homens foram tendo de serem donos de algo: de um espaço, de um bem, de uma ideia, de... A opressão que um homem inflige noutro nasce, na quase totalidade das vezes, da noção de posse. Os conflitos que hoje nos assustam são consequência dessa mesma noção de poder. O Homem só se sublimará quando interiorizar que não pertence aqui e que nada do que nos rodeia é verdadeiramente nosso. Só quando deixarmos de querer ser donos é que poderemos viver plenamente. A terra, o planeta, o mundo não nos pertencem nós apenas, como diz a publicidade de uma marca de relógios, o passamos de uma geração para outra. Importa acima de tudo fazer chegar isto à geração a seguir. A casa, a rua, o oceano, o glaciar que derrete e cai, a floresta que morre, o céu, o Grand Canyon, as pirâmides do Egipto, o monte Fuji, as peças de Shakespeare, o rio que passa, a nuvem, o reflexo de luz, uma lágrima, um sorriso, a dor e o amor, os que morreram, os que viveram, nós, eles, todos, uma criança, o desenho de uma criança, qualquer criança... Tudo. Faze-lo passar de uma geração para a outra.
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