segunda-feira, março 22

2ª Mostra de Curtas | sessão especial

dia 24 | 4ª feira | 21h30 | Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada


3 documentários de Joaquim Pinto e Nuno Leonel - Rio 96/97
Surfavela | Entrevista de Yvonne Bezerra de Mello | Com Cuspe e Jeito

A cadeia de televisão "La Sept/Arte" convidou em 1996 o produtor Phillip Brooks a organizar uma noite temática sobre o surf dando-lhe autonomia para produzir três documentários originais. Descobrimos o projecto Surfavela numa notícia da "Stern", e sugerimos realizar um documentário sobre o tema. "Berzó", um morador da favela do Cantagalo, antigo engraxador nas praias do Rio e praticante de surf, juntara meia dúzia de pranchas velhas e iniciara um projecto de resistência ao racismo e à existência precária dos jovens da favela através da prática do surf. Chegámos no Verão de 96, sem que os assistentes locais tivessem ousado subir à favela e estabelecer contactos. Apercebemo-nos da fronteira que separa o "asfalto" - o rio da classe média, e as favelas, totalmente controladas pelos gangs do tráfico de cocaína, onde a polícia não entra. Conversando casualmente com surfistas do Arpoador conhecemos os primeiros rapazes dessa favela encaixada entre Copacabana e Ipanema e fomos apresentados a Berzó, que nos deixou acompanhar as diferentes actividades do projecto Surfavela. Rapidamente percebemos que o exemplo de Berzó tinha dado frutos. Na Rocinha, a maior favela da América latina, outros grupos tentavam também encontrar através do desporto alternativas a uma existência violenta e sem futuro. Mas pior que viver nas favelas é viver na rua. Em 1997 regressámos ao Rio, fascinados pela personalidade de , uma artista plástica que estudou restauração no Louvre e viveu muitos anos na Europa. De volta ao Brasil, chocada com a situação de violência sobre as crianças de rua, assumiu sozinha o combate pelos direitos humanos e pela defesa dos mais pobres entre os mais pobres. Yvonne foi responsável pela denúncia internacional do massacre na Igreja da Candelária e pelo processo judicial instaurado às forças policiais brasileiras. Fomos encontrá-la só, completamente ostracisada pela classe média. A determinação de Yvonne era férrea, e decidimos aproveitar as duas semanas para fazer o que nos fosse possível, desde levar diariamente comida ao bando de crianças que vive debaixo de um viaduto dos subúrbios - Madureira, até ajudar a pintar um abrigo recém adquirido para crianças abandonadas que Yvonne estava a montar na favela da Maré, debaixo de trocas de tiros entre os traficantes e a polícia. Yvonne dava também apoio logístico e económico aos que ousavam denunciar a violência. Fomos um dia levar a "cesta básica" de Yvonne (o cabaz de alimentos para o mês) a Angelita, uma vendedora ambulante que tinha denunciado o assasínio de várias crianças. Yvonne tinha-a escondida dos policiais corruptos numa favela do subúrbio. Por sua vez, Angelita repartia a "cesta básica" com o vizinho Gilson, um cozinheiro reformado que vivia numa barraca sem água nem luz. Propusémos uma troca. Pagamos as compras e o Gilson explica-nos como se faz uma feijoada. E Gilson Xica da Silva presenteou-nos com uma aula de culinária digna dos mais requintados "chefes".

Joaquim Pinto e Nuno Leonel

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