Hoje em dia toda a gente sabe que Max Weber não tinha razão, no que à separação entre o Político e o Técnico diz respeito. O contexto - necessidade de fundamentar o grau de cientificidade reconhecido às ciências sociais - justifica a preocupação Weberiana, mas o tempo que passou entretanto demonstrou claramente que não há ciência politicamente asséptica nem política imune às ciências.
(Serve este intróito, de cunho marcadamente pedante, para revelar que a tese que será sustentada de seguida é da autoria de um gajo que até conhece Max Weber, o que confere sempre alguma legitimidade acrescida.)
A pergunta de fundo é, pois, a seguinte: nas sociedades actuais, quantos políticos são necessários para debaterem com um sociólogo ou com um economista? Dito de outro modo, que grau de seriedade ou de competência tem de ser reconhecido socialmente a um determinado político para que ele possa rebater as teses ou os argumentos de um professor universitário (isto, claro está, partindo do princípio que o dito político não é, ele próprio, professor universitário, porque aí a coisa fica muito mais complicada)?
Na arena mediática onde hoje tudo se passa, a um historiador, por exemplo - que é para não dizerem que me move alguma coisa contra os sociólogos, que move, de facto, mas eu não quero que saibam - basta ser historiador, ter alguém que o convide para um debate televisivo ou radiofónico, e articular três frases seguidas, mesmo que o discurso seja cientificamente desprovido de conteúdo ou de interesse; a um político, ao invés, é preciso ser, ou parecer, 400% sério, 300% competente, 200% articulado, e ter uma gravata que não grite no ecrã. Quando em confronto mediático, o político é percebido como se de o "verdadeiro artista" se tratasse, aquele que não diz tudo, aquele que encobre a verdade, aquele que defende sectariamente uma qualquer posição, aquele que, no fundo, quer é que a gente acredite nele; já o cientista (pronto, o sociólogo) é o cientista e, como tal, será à partida visto como aquele que, mesmo dizendo algo que não faz qualquer sentido, o diz fundamentadamente, sem essa coisa perigosa a que chamam "ideologia", sem interesses, sem mácula mundana, num plano quase celestial da existência humana.
Em meios pequenos, a tendência agrava-se: enquanto os políticos ainda vão rodando, os cientistas mediatizáveis são os mesmos dois ou três há quinhentos anos, ganharam um estatuto de "economista de serviço" ou "sociólogo de serviço" e, em função disso, tornaram-se comentadores necessários. O processo de filtragem mediática para um comentador científico é quase nulo, nos casos em que há falta de recursos humanos, ou quase impossível, nos casos em que a cátedra está solidamente ocupada. Como, em princípio, a exposição mediática gera reconhecimento e este, por sua vez, é convertível em mais exposição mediática, os cientistas de serviço tornam-se cada vez mais cientistas de serviço.
É claro que o assunto dava uma tese - na verdade, é capaz de já ter dado mesmo uma tese e até mesmo um livro, não tenho a certeza. Mas o que conta é que é preciso insistir na Educação para os Media como matéria fundamental para apetrechar as gerações futuras, pondo em evidência não só os perigos da sobre-exposição à violência ou os efeitos perniciosos da publicidade sobre as crianças, mas também a questão do branqueamento do pensamento científico e a diabolização do discurso político.
É claro que o facto de o meu filho mais velho me ter dito, um dia destes, "pai, anda ver um senhor que te está a chamar mentiroso na televisão", seguido de um incómodo "é verdade?", não tem nada a ver para o caso.
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