sexta-feira, junho 13

Identidades Europeias




(…)
Em toda a parte o bicho se propaga,
em toda a parte o nada tem estalagem.
O meu suplício não é somente de seres meu patrício
ou o de ver-te meu semelhante:
tu, mesmo estrangeiro, és besta bastante.
Foi assim que te encontrei na Rússia
como vegetas aqui e por toda a parte,
e em todos os ofícios
e em todas as idades.
(…)
E andam pelos cafés como as pessoas
E vestem-se na moda como elas,
e de tal maneira domésticos
que até vão às mulheres
e até vão aos domésticos.
Felizmente que na minha pátria,
a minha verdadeira mãe, a minha santa Irlanda,
apenas vivi uns anos d’Infância,
apenas me acodem longinquamente
as festas ensuoradas do priest da minha aldeia,
apenas ressuscitam sumidamente
as asfixias da tísica-mater,
apenas soam como revoltas
as pistolas do suicídio de meu pai,
(…)
Ó Deus! Tu que mos levastes é que sabias
o ódio que lhes teria
se não tivesse ficado por ali!
Mas antes, mil vezes antes,
aturar os burgueses da My Ireland
do que estes desta Terra
Que parece a pátria deles!
Ó Horror! Os burgueses de Portugal
têm de pior que os outros
o serem portugueses!
(…)


José de Almada Negreiros

A Cena do Ódio, 1915

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